Publicado em: 23 de julho de 2019 13h07min / Atualizado em: 23 de julho de 2019 14h07min
Um coelho é ninado no colo de Eloísa Kerbes, de quatro anos. Ao lado, Davi Silva Possebom, de cinco, acaricia outro bichinho. Os animais estão acostumados com as crianças: são elas que os alimentam diariamente, na Escola do Campo em Tempo Integral Bela Vista, em Nova Itaberaba.
Mas essa história é recente: até então com poucos estudantes, a escola, que fica no interior do município, passou, no início do ano, a ser de tempo integral. Mas “passou” não é o verbo correto – ela se transformou: com mais estrutura, com estudos por parte dos professores, com recursos da prefeitura, com sensibilização da comunidade e, principalmente, com a vontade de manter as atividades e seguir atendendo as crianças.
Para isso, como conta a diretora da escola, Juliana Biachi Gilioli, foi preciso buscar ajuda. A questão foi levada para a Assessoria em Educação da Associação dos Municípios do Oeste de Santa Catarina (Amosc). A assessora, Locenir de Moura Selivan, acionou o professor Willian Simões, da UFFS – Campus Chapecó. Assim, com livros, discussões, conhecimento da comunidade e criatividade na resolução de problemas, foi possível passar de aproximadamente 70 estudantes (com previsão de diminuir a 50, e do temor de um horizonte de fechamento da escola), para mais de cem crianças, e com uma lista de espera. Se for possível fazer mais uma adequação estrutural, a previsão é ter, em 2020, 130 alunos.
E para as famílias com alunos na escola, a mudança já é sentida. A mãe de Davi, Sandra Maria Civa, acredita que o filho está diferente. “Ele está mais autônomo, independente. Ele serve seu próprio prato, organiza suas coisas e está mais cooperativo com os demais. O contato com a natureza o fez mais atencioso com o meio ambiente. Além disso, o cuidado com os animais tem aflorado a afetividade nele”, destaca.
A transformação
Já havia uma questão legal para a implantação de uma escola de tempo integral no município: o Plano Municipal de Educação, de 2014. O coordenador pedagógico da escola, Airton Kerbes, lembra que a necessidade da escola e do cumprimento do plano se encaixaram, e a movimentação foi acontecendo até chegar ao secretário de Educação, Odenir Petrolli, e, posteriormente, ao prefeito, Marciano Pagliarini.
“A ideia de transformar a escola em escola de tempo integral veio da própria comunidade. Debatemos com eles, buscamos apoios e começamos a implantar no início desse ano. Desenvolvemos o projeto com a ajuda da Amosc e da UFFS, além de termos reformado a escola. Vemos que a aceitação está sendo muito boa, inclusive temos estudantes da cidade vindo para cá”, confirma o secretário. “O investimento para as ampliações foi de R$ 116 mil. O investimento diário ainda não é mensurável, que são os valores com materiais didáticos, mais professores, alimentação. Mas não é um gasto, é um investimento. Quando assumi o município, em 2017, um dos meus primeiros atos – o que não foi fácil para um professor – foi o de fechar uma escola do campo (da Linha Cambucica), que tinha 15 alunos, com sete profissionais. Analisando toda conjuntura de êxodo rural do município, víamos que junto com os pais, as crianças também saíam do campo. O nosso interior estava ficando cada vez mais abandonado. Quando a proposta da escola de tempo integral chegou até mim, aceitei de imediato. Além de prestar uma educação de qualidade, vamos mostrar uma outra face das atividades realizadas no campo às crianças. Mostrar que é possível ter uma ótima qualidade de vida permanecendo no campo”, destaca o prefeito.
Conforme o professor Willian, as atividades de planejamento e estruturação para a adoção do tempo integral pela escola foram um desdobramento do Programa “Nos Caminhos da Práxis”, realizado em parceria com a Amosc. “Abrimos um campo de diálogo muito interessante pelo programa, porque dando certa essa experiência, conseguiremos mostrar à Federação dos Municípios de Santa Catarina (Fecam), que é possível ter uma escola do campo, de qualidade e em tempo integral como uma forma, também, de evitar o fechamento de uma escola do campo. Santa Catarina, assim como o país todo, tem vivido, nos últimos anos, uma intensificação do fechamento de escolas do campo. Estamos, aqui, numa experiência muito emblemática: invertemos a lógica.”, reforça o professor.
Esse é uma experiência de porte muito grande, com a dimensão de tempo integral. Essa experiência tem muita possibilidade de se expandir para outros municípios, como Águas Frias, está caminhando para essa via”, ressalta a assessora de Educação da Amosc, Locenir Tereza de Moura.
E, segundo o professor Willian, a escola de Nova Itaberaba vai na contramão da maioria do país. Conforme ele relata, uma pesquisa da UFSCar mostra que no Brasil mais de 30 mil escolas do campo fecharam nos últimos dez anos. “Diante disso, essa escola é uma vitória imensa. Estamos provando que é possível manter escolas do campo, e em tempo integral”.
Ele considera que várias frentes foram essenciais para o êxito no processo. Primeiro, o envolvimento, o entendimento, a abertura e a vontade política da prefeitura. Depois, o programa Nos Caminhos da Práxis – formação continuada de professores em larga escala, com o envolvimento de vários docentes da UFFS – que, segundo ele, trabalha regionalmente e que abriu o caminho de atuar em municípios que até então não conheciam a Instituição. Não menos importante, ele cita a comunidade como um ente essencial para a essa implementação.
Com parcerias e o empenho de muitos, a escola oferece oficinas voltadas à agricultura familiar, à educação ecológica, à educação patrimonial e até mesmo, robótica. De acordo com a faixa etária, as crianças alimentam os animais de pequeno porte e cuidam da horta. Há, como uma escola voltada para crianças, espaço para as brincadeiras – uma casinha de bonecas e de areia, parquinho e área ao ar livre. Os animais chegaram aos poucos, como doações das famílias da comunidade. Parte da comida para os bichos, também. E com a doação também outras coisas acontecem, como placas esculpidas em madeira para a identificação de espaços. Para a diretora, fez e faz muita diferença a participação dos vários envolvidos dentro da escola. “O projeto foi participativo, a universidade veio aqui, e tudo foi construído no coletivo: desde a servente, o motorista, a comunidade – mesmo as famílias que não tinham crianças na escola. Eles veem que a escola é o caminho para manter a comunidade ‘viva’”, finalizou ela.
Na quinta-feira (18), um evento reuniu, novamente, vários dos entes que fizeram essa transformação acontecer. Foi realizada uma palestra, com a professora Maria Cecília Ghedini, da Unioeste – Campus Francisco Beltrão, além de acontecerem discussões e avaliações.
Mais atividades do programa “Nos caminhos da práxis”
Na quarta-feira (17), o programa realizou um evento de formação. Com a participação de 320 professores das redes municipais da região, dos municípios de Águas de Chapecó, Águas Frias, Arvoredo, Caxambu do Sul, Chapecó, Cordilheira Alta, Coronel Freitas, Formosa do Sul, Guatambu, Nova Erechim, Nova Itaberaba, Paial, Pinhalzinho, Planalto Alegre, Quilombo, Santiago do Sul, São Carlos, Serra Alta e Sul Brasil, o evento foi realizado pela UFFS e a Amosc, com apoio da Unochapecó. O objetivo foi dar continuidade às discussões sobre o documento "BNCC e o movimento de reorganização curricular das redes municipais de educação da Amosc", além do aprofundamento dos estudos deste documento através de palestras temáticas e oficinas teórico-práticas, subsidiando o planejamento docente.
Participaram da mesa de abertura o vice-reitor da UFFS, Antônio Andrioli, a Secretária de Educação de Nova Erechim e Coordenadora do Colegiado de Educação da Amosc, Eunice Bruchi, o Pró-Reitor de Pesquisa, Extensão, Inovação e Pós-graduação da Unochapecó, professor Leonel Piovezana e o professor da UFFS – Campus Chapecó, Willian Simões, representando a coordenação do Programa de Formação Continuada de Professores da Educação Pública “Nos Caminhos da Práxis”.
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