Publicado em: 14 de junho de 2018 16h06min / Atualizado em: 14 de junho de 2018 17h06min
Você já se perguntou se frutas e verduras orgânicas têm uma composição diferente – e mais saudável – que as produzidas com agrotóxicos? A pesquisadora Grazielle Castagna Cezimbra Weis, doutoranda na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), abordará essas e outras questões durante a palestra “Compostos Químicos: exposição e efeitos à saúde humana”, uma das programações do II Simpósio em Saúde e Alimentação.
O evento acontecerá na UFFS – Campus Chapecó, nos dias 23 e 24 de agosto. Já estão abertas as inscrições para a submissão de trabalhos e para ouvintes. Os valores são mais baixos até 17 de julho, tanto para estudantes, quanto para pós-graduandos e profissionais. Demais informações e toda a programação também estão disponíveis no site do evento.
Na entrevista com a pesquisadora Grazielle, confira uma pequena parte do que será discutido durante os dois dias:
Com a vida moderna, as grandes produções – em função da necessidade de produção para grandes populações – interferem na nossa qualidade de vida e saúde?
Grazielle - Esta problemática: “é possível produzir alimentos sem agrotóxicos?” é comum atualmente. Muitas pessoas respondem que não é. Possível é claro que é, mas a produtividade é muito diferente. O sistema convencional, que usa agrotóxicos, dá um retorno, uma produção muito maior. Porém, aí entra a questão da qualidade: em um sistema convencional, a produção de alimentos será menos saudável? Os benefícios que encontramos nos alimentos, na maior parte é devido a compostos bioativos – são compostos que não têm somente propriedade de nutrir, mas também terão outras funcionalidades no nosso organismo, como a ação anti-inflamatória.
De maneira geral funciona assim: nós nos defendemos quando temos algum estresse. Quando estamos gripados, o organismo produz anticorpos para sinalizar a doença e nos defender. A planta faz a mesma coisa. Quando está numa situação de estresse, como um ataque de fungos, ela produz compostos secundários, que são os compostos bioativos. Um exemplo é o resveratrol, que é produzido, entre outras finalidades, como um mecanismo de proteção da planta. Num ano de seca (“fator de estresse”) a composição da uva sofre algumas modificações, tais como o aumento na produção de resveratrol, em decorrência desse fator externo. Para a planta, esse composto bioativo é produzido para se proteger, mas, para nós, é um benefício que a planta nos dá.
Então, quando há o ataque de um fungo, a planta produz esses compostos para proteção. Mas quando um fungicida é usado, o problema é logo resolvido. Isso quer dizer que não se vai deixar a planta agir por si só, naturalmente. Ela não vai produzir esses compostos em maior quantidade porque “alguém” já resolveu o problema por ela – o fungicida.
Assim, nos estudos que comparam os vegetais produzidos no sistema convencional e no não convencional, são encontradas especialmente diferenças na quantidade de compostos bioativos – as substâncias que a planta utiliza para se proteger e que para nossa saúde são funcionais. Entretanto, quem produz quer garantir sua produção, com maior produtividade possível, e quer que ela seja “bonita”, já que o consumidor compra com os olhos. Assim, na balança entre a saúde e a produção, normalmente a segunda opção pesa mais.
Então temos outro problema: para prevenir doenças, os médicos e nutricionistas nos falam para “comer saudável”. Você acha que está ingerindo alimentos saudáveis, mas eles não têm, de fato, as propriedades esperadas para aquele produto.
Grazielle - Sim. Até é uma temática do meu Doutorado que estamos desenvolvendo, porque são escassos trabalhos nesse sentido. Se eu estivesse comendo um alimento que, pela lógica, é um alimento antioxidante, não se sabe se haverá um efeito benéfico, que teria esse efeito naturalmente, em decorrência da presença do agrotóxico. A gente está desenvolvendo um modelo que é justamente para verificar qual o benefício do alimento com e sem agrotóxico e saber se o efeito que está sendo neutralizado é pelo agrotóxico ou se é o agrotóxico que está fazendo o efeito negativo na nossa saúde. Como nutricionista sempre senti necessidade de tentar responder essa pergunta que todos fazem.
Quais os impactos do consumo de alimentos com resíduos desses compostos?
Grazielle - Os impactos variam de acordo com o tempo de exposição e com a quantidade. É válido lembrar que, devido à variedade da nossa alimentação e à quantidade de resíduos nos alimentos, pode ocorrer a acumulação desses compostos em nosso organismo. Os impactos vão desde más-formações em fetos, em decorrência do contato da mãe durante a gestação com alimentos com agrotóxicos, até efeitos pró-inflamatórios dos agrotóxicos. O fato de os agrotóxicos estimularem a inflamação está ligado a diversas doenças, especialmente ao câncer, que hoje é tão falado e observado. Diversos estudos reforçam a alta incidência de câncer na região Sul de modo geral, mas especialmente no Rio Grande do Sul. Coincidência ou não, o Sul é conhecido no Brasil como uma das regiões que mais utiliza agrotóxicos.
Tem também a questão da neurotoxicidade – tanto para os agrotóxicos como para o mercúrio e o alumínio –, que está relacionada ao desenvolvimento de distúrbios neurológicos, comportamentais (como a depressão), psiquiátricos e ao Alzheimer.
Quais doenças que podem estar relacionadas a esses compostos?
Grazielle - Doenças autoimunes (situação de distúrbio no sistema imune, logo uma inflamação crônica está acondicionada a isso), distúrbios comportamentais, especialmente a depressão, o Mal de Alzheimer, diabetes, especialmente tipo 2, e câncer. Às vezes há mecanismos que podem estar levando a doenças, mas não tem como confirmar que seja devido unicamente à exposição aos agrotóxicos ou aos metais; por isso pesquisas nessa área são muito importantes de modo a aumentar a compreensão sobre seus efeitos na saúde.
Mas há outros fatores que também influenciam na saúde.
Grazielle - Estamos expostos a fatores de risco para nossa saúde a todo momento, por exemplo a radiação solar, especialmente aos raios UVA e UVB, fumo, álcool e diversos outros que geram danos a nossa saúde. Na verdade, danos no nosso DNA acontecem a todo momento e usualmente nosso corpo consegue trabalhar com isso. Porém, com o aumento desses estímulos negativos, nosso corpo não “está dando conta” de reparar esses danos. Além disso, cada vez menos temos uma alimentação equilibrada e fazemos atividade física ou temos um sono reparador, o que não permite ajudar o nosso corpo a atingir um equilíbrio e reparar esses danos.
Como os compostos influenciam no meio ambiente, por exemplo?
Grazielle - Dependendo das características desses compostos, eles tendem a acumular no solo, na água e no ar. Esses ecossistemas vão acumulando e é uma cadeia, o que chamamos de magnificação trófica: vai para a planta embaixo da água e um peixe pequeno a come. Depois, ele é comido por um peixe maior e vai tendo acumulação no sistema e o principal prejudicado, no fim, seremos nós, que consumiremos o peixe ou mesmo ingerindo a água contaminada e as plantas que serão plantadas no solo contaminado. O corpo humano também tende a acumular esses compostos, especialmente em regiões como rins, fígado, cérebro, porque são as regiões com mais gordura, com as quais eles têm maior afinidade.
Fale mais sobre suas pesquisas no Mestrado e, agora, no Doutorado.
Grazielle - No Mestrado trabalhei com os efeitos inflamatórios dos pesticidas. Eles podem atuar de modos diferentes: suprimindo a ação do sistema inflamatório (sistema imune tem uma diminuição da sua ação) ou ativando o sistema inflamatório. Os pesticidas que estudei tiveram efeito ativador das células do sistema imune. Inicialmente, pode-se pensar que isso é bom, pois em uma situação de estresse queremos que nosso sistema imune se ative para nos proteger. Porém, normalmente, nosso sistema se ativa, combate o “corpo estranho”, por exemplo, os vírus em uma gripe, mas depois volta ao seu estado normal. Com os agrotóxicos que estudei, a resposta imune não baixava, permanecia ativada – assim o sistema imune permanecia em alta produção. Isso vem ao encontro do que ocorre nos cânceres, nas doenças autoimunes, no Parkinson, diabetes. Faz com que estimule uma condição em que estará sempre ativado inflamatoriamente. As concentrações que usei no estudo são superiores aos valores indicados como de ingestão diária aceitável, o que nos faria pensar que então esses efeitos não ocorriam conosco. Mas a grande questão é que nós não consumimos os agrotóxicos somente uma vez na vida e não de forma individual, porque os resíduos se encontram nos alimentos e em diferentes condições. Aí vem um outro problema: nossa legislação, que deveria fiscalizar, cada vez menos consegue fiscalizar. No Brasil, há um programa da Anvisa, o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), que monitora o conteúdo de resíduos de amostras de origem vegetal. O número de amostras analisadas é pouco proporcional à extensão territorial do Brasil e, além disso, essas análises são realizadas com grandes intervalos de anos e pouco divulgadas para a sociedade. Assim, os dados que temos não nos mostram um panorama atual. Fora que ainda que tenha abaixo do permitido, consumimos vários alimentos e há um acúmulo, um somatório no dia. Hoje, vários estudos já mostram resíduos de organoclorados no leite materno. Então desde a infância a gente começa essa exposição aos resíduos.
O trabalho de Doutorado é com base na avaliação de efeitos agudos – exposição em curto tempo – e uma exposição mais crônica – durante mais tempo. Os efeitos para um trabalhador com exposição ocupacional – grande quantidade, mas por curto espaço de tempo –, e para o consumidor – temos contato todos os dias, uma exposição crônica, mesmo que em pequenas quantidades. Num primeiro momento, num modelo in vitro e depois, no modelo in vivo. Ainda, no nosso grupo, pesquisas estão sendo desenvolvidas com diferentes métodos de descontaminação, que podem ser feitos em casa mesmo, de modo a verificar qual higienização seria mais correta para tentar eliminar os resíduos dos agrotóxicos – visando diminuir os resíduos.
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