Publicado em: 15 de dezembro de 2017 14h12min / Atualizado em: 18 de dezembro de 2017 09h12min
O que vem à sua mente quando alguém fala em “lazer”? Andar de patins numa tarde ensolarada, com a família? Um dia de praia com os amigos? Tomar um bom chimarrão e conversar com os vizinhos no final de tarde? Tudo isso, sim, pode ser considerado lazer. Mas não só isso: é a busca pelo prazer no tempo livre, o que inclui, também, ações percebidas, inclusive, como transgressoras.
Foi o que estudou, constatou, observou e tratou o professor da UFFS – Campus Chapecó, Alexandre Paulo Loro, em sua tese “Práticas Corporais, Lazer Desviante e Territorialidade”, desenvolvida na Universidade Estadual de Maringá, sob a orientação do professor Giuliano Gomes de Assis Pimentel. Defendida em julho de 2017, a tese utiliza o conceito de “lazer desviante”: aquele cuja sociedade avalia como um desvio moral, e até mesmo julgado pelo viés legal ou psicológico. Já as práticas de lazer que são permitidas perante a sociedade – que variam de acordo com as convenções sociais – são chamadas pelo professor de “lazer canônico”.
Para chegar a esses conceitos, a trajetória foi se desenhando desde 2009, quando o professor foi aprovado como professor efetivo na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), Campus do Pantanal, na fronteira com a Bolívia. Atuava com a formação de professores e capacitação em rede, porém, segundo ele, a dinâmica fronteiriça ficou bastante evidente. “Tinha dificuldade de trabalhar com a formação de professores sem entender aquele território, que era uma fronteira específica. Me vi, então, obrigado a estudar, além das temáticas da minha área, a fronteira. Isso exigiu um diálogo com a Geografia e com a História. Então, comecei a participar de grupos de estudos, enfim, busquei instrumentos para melhorar minha prática”.
Seguindo a carreira em outra instituição, na UFGD de Dourados, Mato Grosso do Sul, fronteira com o Paraguai, encontrou "[...] outra dinâmica, porém ainda eram evidentes os objetos de estudo em função dessa dinâmica sociocultural que tem a fronteira. Era inevitável pensar a formação de professores em sintonia com a fronteira. Passei a ter um olhar mais atento referente a esse aspecto, que no campo da Educação Física era incipiente, ao contrário da Geografia, História, Turismo, por exemplo. Pensei: isso dá uma boa tese”.
Do aguçamento da curiosidade de Loro sobre fronteira surgiram mais pesquisas. O professor passou a fazer um levantamento de materiais e reafirmou sua convicção sobre ter um bom tema de tese em função de não haver muitos escritos a respeito na Educação Física. “Encontrei em Maringá um orientador que estuda lazer. Isso era 2012. A aprovação no doutorado coincide com minha redistribuição para Chapecó, para a UFFS. Naquela época, não comecei do zero, já tinha muito material”, lembra ele.
Foi só nesse momento que o professor passa a adotar o termo “lazer desviante”, já utilizado pelo orientador, mas ainda muito pouco pesquisado no país. Porém, outra questão despertava a curiosidade naquele momento: “cada fronteira é única, elas não são iguais - o contato de duas civilizações gera uma terceira coisa, pois as fronteiras são bem distintas”. Assim, em conversas com o orientador, optou-se por estudar o lazer desviante na Tríplice Fronteira (Brasil - Paraguai - Argentina), mais especificamente em Foz do Iguaçu, “uma das fronteiras mais complexas do país e uma das mais dinâmicas do planeta”.
O professor passou três semanas em Foz do Iguaçu e visitou universidades e órgãos de Segurança Pública, entrevistou pessoas do meio jurídico, jornalistas, estudantes, professores, policiais, agricultores, comerciantes e população em geral, tentando entender e identificar as múltiplas práticas de lazer. Conversou com pessoas, pesquisou e buscou o máximo de informações possíveis e de várias maneiras - desde questionários online, pesquisas documentais e entrevistas.
Buscando aprimorar os estudos, Loro apresentou trabalhos em congressos e fez observações in loco como as de Amsterdã, onde o uso recreativo da maconha e a prostituição não é desviante (atividades legalizadas). Conseguiu uma licença capacitação e dois períodos de férias para a realização de Estágio Sanduíche de doutorado. Rumou à Europa. Em Coimbra, buscou no Centro de Estudos Sociais o professor Catedrático Rui Adelino Machado Gomes, especialista em Foucault, para incorporar à discussão da pesquisa conceitos centrais, como: "discurso", "poder", “dispositivo” e “acontecimento”. Em Foz do Iguaçu, um dos acontecimentos que gerou dispositivos foi a construção da Usina Binacional de Itaipu (que gerou a criação do lago). Famílias que banhavam-se nas cachoeiras, que pescavam ou faziam churrascos na beira do rio já não poderiam mais fazer tais ações em função de legislações que os impediriam. Práticas comuns, passadas por gerações, vivenciadas aos finais de semana e/ou no tempo livre, de uma hora para a outra, por um acontecimento e em razão da criação de dispositivos, tornam-se desviantes.
“Ouvi várias fontes, inclusive um grupo de canoístas, que invadiam áreas privadas às margens do rio e faziam sua prática desviante há até pouco tempo. Recentemente, com a criação de um novo dispositivo que ‘regulamenta’ a prática, estão lançando para todos essa possibilidade de lazer, já que a prática torna-se aceitável. Nos discursos deles, percebo que sempre invadiam áreas proibidas do rio. Há pescadores que também vão ao rio. Então há várias categorias que trabalho na tese para mostrar que o lazer desviante está presente nas sociedades. A nossa análise é sociocultural; não é uma análise legal, tampouco psicológica daquela fronteira. O contexto específico fez com que surgissem novas práticas corporais e inibissem outras”, em um jogo tensional de poder, comentou.
Para Loro, as práticas e os discursos constituintes dos lazeres desviantes, no território fluvial da Tríplice Fronteira estão relacionados à dinâmica contextual que engendra um campo de disputas em constante deslocamento e demarcação, o qual se configura em meio à ordem e à desordem, ao canônico e ao desviante, à satisfação e à repressão. “A construção da Usina Binacional de Itaipu produziu limites para o uso do território e, com ele, insatisfação: de moradores, de pescadores e frequentadores. O sentimento de terem sido lesados ao serem retirados do local de moradia, a sensação de perda da liberdade de acesso ao rio, a transformação da região fluvial em grande centro turístico e mercadológico, o desejo de aventurar-se (individual ou coletivamente) e a satisfação pela transgressão podem ser lidos como fatores que levam ao lazer desviante, e que podem servir de matriz analítica em outros territórios”, concluiu.
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