Publicado em: 24 de julho de 2019 15h07min / Atualizado em: 25 de julho de 2019 09h07min
Com um salto de 20 centímetros, peruca loira de 80 centímetros, roupa rosa pink e maquiado o estudante do curso de Letras da UFFS – Campus Cerro Largo, Lucas Barbosa Paveglio deixa sua marca na história da instituição. Ele apresentou seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) montado de drag queen no dia 28 junho, dia do Orgulho LGBTQI+. O trabalho analisa trechos do livro “Arrase!”, da drag queen norte-americano Ru Paul e a construção identitária da artista. Segundo Lucas, as análises buscaram identificar, por meio de vozes outras, como ele responde a essas vozes, quem é o outro para ele e quem é ele para o outro, levando em consideração teorias do filósofo da linguagem Mikhail Bakhtin.
O trabalho, intitulado “Processos de Montação Identitária: encontros e desencontros configurando as identidades de Ru Paul”, foi orientado pela professora Ana Beatriz Ferreira Dias, que acredita que esse tipo de pesquisa é fundamental e necessária dentro da universidade, “pois aponta para novas possibilidades de ver e compreender o mundo. Sem ela, corremos o risco de ter somente narrativas únicas”, afirma. Ela acrescenta também que a motivação de Lucas foi compreender discursos contra-hegemônicos e trazê-los para dentro da universidade. “Passamos a delimitar a pesquisa e Lucas propôs o estudo do livro que até então eu não conhecia. Próximo da defesa, ele me perguntou se poderia apresentar seu trabalho como drag queen. Achei ótima ideia. Fiz apenas uma solicitação, que foi plenamente atendida: que tivéssemos uma drag estudiosa e envolvida com sua pesquisa. Parabenizo Lucas pelo trabalho realizado e pela sua coragem”, orgulha-se.
Lucas concedeu uma entrevista para ASCOM, em que explicou suas motivações para a realização do trabalho.
ASCOM – CL: Há muitas rupturas no seu trabalho, não só pelo fato de você apresentar um trabalho acadêmico montado de drag queen, mas na própria estrutura do seu TCC, com utilização de cores nos títulos e uma linguagem menos acadêmica. Fale um pouco sobre isso.
Lucas: A formatação do trabalho segue as normas da ABNT, segue também o Manual Acadêmico de Trabalhos da UFFS. Encontrei a possibilidade de criar algo diferente, pois no manual consta apenas que a obra deve ser impressa com a fonte na cor preto, mas não consta nada sobre a versão digital ser colorida. Meu trabalho fala por mim e por muitas pessoas do movimento LGBTQI+ quando utilizo todas as cores do arco-íris em algumas partes do meu trabalho, como títulos, sumário, título e subtítulo, meu próprio nome está alternando as cores do arco-íris em cada uma das letras que o compõe. Quanto a linguagem “menos acadêmica”, digo que não vejo problema nisso, minha orientadora também não viu isso como um problema, nem a banca que examinou e avaliou o trabalho. Eu utilizei a minha voz, em primeira pessoa, narrei toda a introdução do meu trabalho. Nas demais seções do trabalho utilizei uma linguagem culta, não a padrão. Tentei fazer com que a minha escrita pudesse se aproximar o máximo possível dos leitores, com que ela conseguisse segurar o leitor no início e o embalasse até o final sem ser aquela leitura maçante e monótona. Nenhuma dessas características é o que estamos acostumados a ver em trabalhos acadêmicos, mas creio que é preciso ousar e romper com alguns padrões.
ASCOM – CL: Quais foram suas motivações pessoais para realizar este trabalho? E quais eram seus objetivos?
Lucas: Como motivação pessoal posso afirmar que tenho uma pessoa que me motiva desde meus 14 anos, como eu conto na introdução do meu trabalho, pode parecer besteira, mas Lady Gaga é a minha inspiração, é o que me motivou, me guiou, me salvou inclusive. Por ser um ícone principalmente para a comunidade LLGBTQI+, ela trabalhou e trabalha em muitas causas que dão apoio a nossa comunidade, as letras de suas músicas, seus discursos empoderados e motivacionais são hinos de força e de luta. Sua estranheza, que é o que a sociedade em geral vê, representa mais nada do que cada um de nós sendo nós mesmos, cada um com suas peculiaridades, seu jeito, sua estranheza, seu modo de vida. Ela levanta essa bandeira e luta por todos, isso é algo que me inspira muito. Desde criança eu era aquela “criança viada” (esse termo não é feio usar, ao menos não nesse tom que falo), sempre gostei de brincar de sapatos, vestir roupas, é uma paixão pelo universo feminino, não me identifico como trans, apenas tenho essa paixão. Tive o contato com o mundo drag, por meio de seriados, em boates conheci muitas drags, não só aqui na região como de outros estados também e algumas famosas também como Pabllo Vittar e Lia Clark. Essa arte me chamou muito atenção e me despertou admiração sem tamanho. Ano passado, com a chegada do projeto de TCC, tinha em mente que queria trabalhar com a cultura drag e relacionar com a linguística, mas não fazia ideia de como fazer. Com a ajuda da minha orientadora, conseguimos definir o corpus da pesquisa, mas foi só nesse ano que definimos os objetivos dela, enquanto isso eu realizei diversas leituras teóricas, li artigos, pesquisei sobre a artista drag e a sua origem, foi muito gratificante quando tive o trabalho finalizado e pude perceber o meu crescimento como acadêmico e pesquisador.
ASCOM – CL: Você afirma em seu trabalho que ser drag queen é um corpo como ato político. Por quê?
Lucas: Para responder essa pergunta uso a citação de Gustavo Artur Monzeli que diz o seguinte: “Quando a existência entra em disputa, nossos corpos são nossas armas”. É sobre isso mesmo, nós (LGBTQI+) estamos sempre lutando pela nossa existência, pelo não silenciamento de nossas vozes, usar o corpo como um agente para um ato político é uma arma, é uma linda arma. Nesse sentido que me refiro ao corpo como um ato político, quebrando regras (regras que nem são regras, muitas vezes são apenas algumas convenções normativas que com o passar do tempo nos habituamos a seguir), enfrentando as mais diversas adversidades que são impostas no cotidiano. É uma luta diária.
ASCOM – CL: Como foi a reação da comunidade acadêmica (colegas, professores, sua orientadora, etc) ao saber que você apresentaria seu TCC montado de drag queen?
Lucas: Minha orientadora ficou surpresa quando eu a questionei sobre essa ideia, não se tratava nem de uma possibilidade, pois eu não abriria mão de me apresentar montado, mas ela reagiu de forma positiva, tanto que surpreendeu a mim. Meus amigos me deram apoio do início, durante e seguem dando apoio. Os demais professores, alguns me parabenizaram, outros não se manifestaram, e assim foi com o restante dos colegas de curso, alguns estavam no dia, mas bem poucos. No dia da apresentação estavam presentes meus amigos mais próximos e alguns colegas do curso, tinham poucas pessoas, os que estavam presentes se mostraram surpresos, admirados e felizes pela minha coragem em subir no palco com um salto de quase 20cm, peruca, maquiado, uma peruca loira de 80cm e minha roupa rosa pink.
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