Publicado em: 21 de outubro de 2016 08h10min / Atualizado em: 21 de outubro de 2016 08h10min
O Conselho Universitário (CONSUNI) da UFFS aprovou, durante a 10ª Sessão Ordinária de 2016, moção que manifesta a apreensão em relação à atual situação política brasileira. Em especial com a perspectiva da mudança da Constituição Federal, por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 241/2016, e as propostas de alteração da estrutura da Educação Básica estabelecida pela Medida Provisória (MP) nº 746/2016 e pelo Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 193/2016.
A MP 746/2016 foi encaminhada ao Congresso Nacional no dia 23 de setembro e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Ela altera duas leis: a de nº 9394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB) e a Lei 11494/2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação; e revoga uma: a Lei 11.161/2005, que dispõe sobre o ensino de língua espanhola. A MP encontra-se no Congresso e já recebeu 568 emendas.
O prazo final para aprovação da MP é dia 21 de novembro, podendo ser prorrogada por mais 60 dias. A Comissão Inicial é composta de 12 senadores e 13 deputados.
No site do Senado Federal, a MP tem a reprovação de quase 68 mil cidadãos contra aproximadamente 3 mil que aprovam a medida. Para esclarecer algumas informações e dúvidas, a Assessoria de Comunicação da UFFS – Campus Cerro Largo conversou com a professora da área de Ensino de Espanhol do curso de Letras Português e Espanhol do Campus, Angelise Fagundes*.
- Acesse a Moção do Consuni AQUI.
ASCOM/Cerro Largo – A Medida Provisória revogou a Lei 11.161/2005 que tornava obrigatória a oferta nas escolas da disciplina de espanhol no Ensino Médio. Que consequências essa revogação traz para os cursos de Licenciatura em espanhol? Quais as consequências para os profissionais da área?
Angelise Fagundes – Primeiramente, é importante contextualizar minimamente o papel da língua espanhola no Brasil. Fazemos fronteira com sete países que têm o Espanhol como idioma oficial. Na América, só o Brasil fala português. A maior parte dela, espanhol. Com a criação do Mercosul, em 1991, as relações comerciais com esses países, em especial com os que fazem parte do Bloco, foram intensificadas. Em meio a isso, muitas universidades, por exemplo, foram incentivadas a criar cursos de Licenciatura em espanhol. Ademais, foram criados exames de certificação das línguas de circulação no bloco, como o Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras) e a Certificación de español lengua y uso (CELU). No cotidiano das relações fronteiriças, no próprio turismo, essas aproximações com a língua não podem ter uma marca temporal precisa, uma data determinada. Sempre existiram no ir e vir entre nosso país e os países hermanos. Conhecer a língua é, portanto, aproximar-se de uma cultura, de outra cultura e, frente a isso, ampliar nossas possibilidades de nos relacionarmos com o outro através de uma perspectiva intercultural, sem valorizar uma ou outra cultura, mas respeitar a possibilidade que temos de aprender com o diferente. Conhecer outra língua é fazer parte de uma comunidade global.
A MP, ao revogar a Lei 11.161, abre mão de todas as conquistas que alcançamos ao longo destes anos. Além de fechar um campo de trabalho para professores de espanhol, retira o direito dos alunos da educação básica de terem acesso às línguas estrangeiras para além do inglês. A escola deixa de ser um espaço plural em termos linguísticos.
Para os cursos de Licenciatura em espanhol, há outras implicações e elas estão, acredito, mais para a procura de cursos de Licenciatura. A falta de professores de diversas áreas para atuarem na escola já é dado relevante no país. Com a MP retirando da escola disciplinas importantes para a formação humana do sujeito, não será apenas a Licenciatura em espanhol que sofrerá, mas as licenciaturas em artes, Filosofia, Sociologia e Educação Física sofrerão esta baixa também.
ASCOM – E sobre o progressivo aumento da carga horária de 800 para 1400 horas, qual é a visão dos profissionais de educação? É viável?
Angelise – Seria maravilhoso ampliarmos carga horária se isso fosse uma garantia de ampliarmos qualidade no ensino. Seria maravilhoso, também, se a estrutura das escolas desse conta deste aumento. Seria maravilhoso se o governo conhecesse a realidade das escolas públicas deste país e de seus alunos, mas isso também não é uma realidade. Muitos alunos precisam trabalhar para conseguir manter a casa junto com os familiares. Muitas escolas (a maioria delas!) sofrem com falta de espaço adequado para a realização das atividades que já têm, sofrem com a falta de materiais básicos para a realização dessas atividades, sofrem com a falta de professores. Aumentar carga horária, neste momento da educação do país, não é viável.
ASCOM – Entendendo-se que uma MP tem caráter de urgência, por que uma medida provisória para alterar uma lei, na sua opinião?
Angelise – Uma Medida Provisória tem caráter de urgência e relevância, segundo o art. 62 da Constituição Federal. Para mim, mudanças no ensino como um todo, a fim de qualificá-lo, são relevantes, mas no caso específico da MP 746/2016, não vejo a urgência. Uma medida assim, sem diálogo, desqualifica a educação ao invés de melhorá-la.
ASCOM – Como deveriam ter sido feitas essas mudanças? Por meio de uma consulta pública?
Angelise – A consulta pública é fundamental. Mas é ainda mais importante escutar e dialogar com os professores que estão nas escolas e que vivem diariamente todas as dificuldades do ensino básico e da falta de apoio do governo a respeito de melhorias. Deveriam conversar com professores que estão pesquisando a educação brasileira nas universidades deste país e que têm muito para contribuir. São os professores os profissionais mais capacitados para falar da educação e isso deveria ser respeitado.
ASCOM – Sobre o aspecto: “profissional de notório saber”. Por que gerou tanta polêmica já que na lei 9.394/96 já havia esse artigo nos mesmos termos colocados pela MP e se trata de um dos 4 tipos de profissionais da educação, não excluindo os profissionais licenciados?
Angelise – Independentemente de estar na lei de 1996 ou na que modifica ela (MP 746/2016), sou contrária a que pessoas sem formação adequada ministrem aulas. Um curandeiro tem notório saber em sua comunidade, mas não pode atuar em um hospital, por exemplo. Notório saber é algo que só é permitido em educação e mostra o quanto desvalorizam a nossa área de atuação.
No caso das línguas estrangeiras, de modo geral, isso é bastante frequente. A pessoa cursou uma faculdade na Argentina, volta sabendo falar a língua e sente-se apto a dar aulas de espanhol ou, ainda, a pessoa foi fazer um curso nos Estados Unidos e volta podendo dar aulas de inglês. Esse exercício ilegal da docência é mais freqüente do que imaginamos e está sendo disseminado por cursinhos preparatórios. Isso é desvalorizar o professor que dedica 4 ou 5 anos de sua vida à formação profissional inicial.
ASCOM – A MP pretende, principalmente, flexibilizar o Ensino Médio, “por meio da oferta de diferentes itinerários formativos”. Para defender isso, o ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, diz: “em outros países, os jovens, a partir dos quinze anos de idade, podem optar por diferentes itinerários formativos no prosseguimento de seus estudos”. Nisso, tirou-se a obrigatoriedade no Ensino Médio de algumas disciplinas como Sociologia, Educação Física e Artes. Que mudanças isso pode trazer para um cidadão/estudante? Você tem algum exemplo de países que adotam essa metodologia e dos resultados?
Angelise – Eu acredito em uma educação brasileira pensada a partir do Brasil. Modelos e teorias externas podem nos auxiliar a ver a nossa realidade, mas não servem para a nossa realidade. Há no Brasil e na América Latina como um todo propostas que flexibilizam itinerários formativos sem negar ao aluno o direito do acesso às diversas possibilidades de conhecimento, sem auxiliá-lo a inserir-se na comunidade global cada vez mais globalizada, multilíngue e intercultural. E mais, são espaços onde as decisões são feitas de forma conjunta, participativa, possibilitando ao aluno uma vivência democrática. No Brasil, por exemplo, temos propostas como a da escola Politeia, a Lumiar, a do Projeto Âncora, esta última inspirada na Escola da Ponte, de Portugal. Todas estas escolas são apresentadas em um livro bastante interessante e disponível gratuitamente para download, o “Volta ao mundo em 13 escolas” e muitas delas podem ser visitadas com agendamento prévio. Acontece que, para mim, falta nos darmos conta de algo fundamental e que não passa por uma MP. Deveríamos nos questionar sobre que escola que queremos e não sobre que escola nos impõe o governo. O movimento deveria ser outro. Dar-nos conta disso nos faria avançar muito na caminhada rumo a uma educação de qualidade, rumo a uma escola plural e inclusiva.
ASCOM – O ministro, na Exposição de Motivos enviada ao presidente da república solicitando tais mudanças nas leis, cita vários exemplos e dados apontando para o cenário bastante precário da educação no país. Você acredita que com as mudanças indicadas por ele, a educação pode ter uma ascensão em seus números/resultados?
Angelise – Acredito que a precariedade da educação passa por muitas questões, que não só o currículo. O currículo é parte dela. Precisamos começar, para avançar em educação, por valorizar o professor. Um país que não valoriza e não prestigia socialmente o profissional da educação nunca avançará em educação. Para avançarmos, precisamos investir em formação continuada para os professores, precisamos proporcionar espaço para que a escola e seus agentes conversem e pensem, juntos, estratégias para a melhoria de seus contextos de ensino. Precisamos que os salários dos professores sejam dignos e que não sejam parcelados em inúmeras vezes ao longo do mês. Precisamos que as famílias tenham consciência de sua responsabilidade diante do sucesso escolar de seus filhos, que os governantes não vejam a educação como um gasto, mas realmente como um investimento, para além das campanhas eleitorais. A qualidade da educação básica neste país deve passar por uma mudança cultural, depois estrutural. Precisamos de muitas coisas para tornar a escola um espaço significativo de ampliação dos saberes, a começar por dialogar com a escola, o que uma MP não realiza em função de seu caráter unipessoal. Esta medida não mudará o cenário que vivemos.
* Angelise Fagundes é doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UFSM. Licenciada em Letras / Espanhol (UFSM/2013), foi professora da Rede Municipal de Ensino de Dilermando de Aguiar, onde atuou na Escola e na Secretaria de Educação e Cultura, da qual foi Diretora Pedagógica (060/2012/GP). É colaboradora do Curso de Espanhol EAD da UAB /UFSM e do Curso de Extensão Além da Visão (UFSM), curso este voltado ao Ensino de Espanhol para pessoas com Deficiência Visual. Atualmente, coordena os Estágios e o Projeto Clube de Línguas (Edital 804/2014 e 522/2016), na UFFS. Tem experiência na área de Letras, Língua e Literaturas da Língua Portuguesa e Espanhola, Formação de professores de língua, Acessibilidade e ensino de E/LE, Estágio Supervisionado de Língua Espanhola.
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