1º embaixador sul-americano de Sociedade Internacional de Microbiologia Aplicada é da UFFS
Professor Sergio Alves Jr tem como missão, enquanto embaixador, disseminar a informação de que a microbiologia aplicada pode resolver problemas, gerar desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental

Publicado em: 10 de setembro de 2024 10h09min / Atualizado em: 10 de setembro de 2024 10h09min

O trabalho cotidiano do professor da UFFS – Campus Chapecó, Sergio Alves Jr., no Laboratório de Bioquímica de Leveduras (LabBioLev), o levou a ganhar uma posição de destaque internacional. Ele foi convidado pela Applied Microbiology International a ser seu embaixador no Brasil.

A função do pesquisador é divulgar ainda mais tudo o que ele e outros cientistas vêm investigando. Nesse caso, “divulgar” não é algo pequeno ou restrito. Isso porque o que Alves e outros pesquisadores mundo afora fazem é buscar soluções a problemas que envolvem toda a humanidade e o planeta Terra.

Os bioprocessos têm a proposta de utilizar resíduos para gerar bioprodutos, ou seja, reaproveitar o que seria descartado. “A ideia é mostrar que a microbiologia aplicada pode resolver boa parte dos nossos problemas, gerar desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental. No nosso caso, o motor disso, o biocatalisador desses processos, são as leveduras”, comenta o professor.

A Applied Microbiology International é uma sociedade internacional de microbiologia com sede em Oxford, que tem relevância em função de duas revistas de divulgação científica internacionais bastante respeitados na área de microbiologia aplicada. “Ao longo da minha carreira, tive trabalhos publicados nessas revistas, e um tempo atrás eles me convidaram para me tornar membro da sociedade com anuidade gratuita. Depois, eles começaram também com essa ação de embaixadores globais. E logo em seguida veio o convite para eu me inscrever no processo de seleção dos embaixadores globais deles, e fui selecionado”.

Os objetivos da Applied Microbiology International e as atuações do professor e dos pesquisadores que atuam no LabBioLev, conforme o professor, são muito congruentes. “A microbiologia aplicada, os bioprocessos que aplicam micro-organismos como biocatalisadores são, de fato, uma grande alternativa para que a gente alcance pelo menos alguns dos objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU. Vários deles, inclusive eliminação da pobreza, diminuição da desigualdade, erradicação da fome e, dentre eles, sustentabilidade ambiental para você reduzir os impactos e a crise climática, é uma aposta que nós fazemos no nosso laboratório”.

Como a ideia é disseminar os estudos e as informações, a Applied Microbiology International concedeu acesso gratuito a todos seus materiais aos estudantes da UFFS, por meio do professor, agora embaixador. Além de investigações científicas, eles poderão consultar vagas de oportunidades de emprego, de estágios, de bolsas de doutorado, por exemplo, em vários lugares do mundo.

Outra medida que está sendo estudada pela sociedade internacional por proposição do professor e com seu trabalho voluntário, é a tradução de uma das revistas científicas para o português. “No contexto da Europa, por mais que os países não sejam de língua inglesa, os estudantes têm uma familiaridade muito grande com o inglês. Porém, falei a eles que essa não é a nossa realidade. Não é a realidade nem no Brasil, nem na América Latina. Então, se a intenção é levar essas informações a um público maior de pessoas, chegar a diferentes públicos, eu falei que, pensando em América Latina, seria interessante o conteúdo ser traduzido”.

Trajetória e pesquisas

Conforme o professor, dentro da microbiologia, é possível trabalhar para conhecer a ecologia dos micro-organismos, a distribuição deles, a relação que podem ter com hospedeiros, sendo alguns deles, patógenos. “No meu caso, ela sempre teve um enfoque biotecnológico, que é o que caracteriza a microbiologia aplicada. Ou seja, atuo com a pesquisa sobre como podemos utilizar micro-organismos para gerar produtos para o desenvolvimento econômico, para o desenvolvimento social”, explica ele.

Porém, as pesquisas do professor voltaram-se ainda mais aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da ONU quando ele passou a trabalhar com micro-organismos da natureza – época que coincidiu com a chegada à UFFS. Assim, o intuito é ter um retorno a partir do que é encontrado na biodiversidade. “Costumo dizer para os alunos: será que vale mais a pena, em termos econômicos, derrubar uma árvore e vender a madeira ou verificar o que tem ali que a gente pode tirar sem agredir o meio ambiente? Então, essa é a nossa proposta e o que a gente vem fazendo”, resume.

As leveduras são buscadas em diferentes ambientes. A partir das coletas, elas são isoladas e os pesquisadores entendem qual o potencial de cada uma delas.
Por exemplo: uma levedura coletada em lagartas passou a ter seu potencial bioativo testado por uma estudante. Em extratos feitos com essas leveduras foi verificado um certo potencial antitumoral, um potencial antioxidante e potencial antimicrobiano contra bactérias super-resistentes a antibióticos.

Ele relata que na pesquisa de outro mestrando, em leveduras encontradas em matas de araucária, na Floresta Nacional de Chapecó há várias atividades enzimáticas que podem ser aplicadas em diferentes processos, na indústria de alimentos e de combustível, por exemplo. “Fomos até lá, entramos na mata de araucárias e coletamos restos de folhas no chão, a casquinha da árvore, o solo em volta. Então, nós temos dados, são leveduras que podem nos dar enzimas para a indústria de alimentos, para a indústria de combustível, para a indústria farmacêutica”.

Outra possibilidade, de acordo com o professor, é aumentar a produção de biocombustível para reduzir o uso do petróleo. “Se utilizamos o biocombustível, colocamos isso dentro do ciclo do carbono. E o Brasil tem um potencial bastante interessante na produção de etanol, como biocombustível. Nós somos o segundo maior produtor de etanol do mundo”.

Porém, há uma grande oportunidade dentro da produção atual: a utilização do resíduo. O professor explica: “se aproveitarmos os resíduos da produção de etanol que nós já temos, podemos elevar em 50% a nossa produção. Produzimos em torno de 30 bilhões de litros anualmente. Se aproveitarmos o resíduo dessa produção, conseguimos chegar a 45 bilhões de litros. Só que para a gente chegar nesses 45, a gente precisa de micro-organismos com capacidades um pouquinho diferentes daquelas que a indústria já utiliza”.

E é essa a busca cotidiana do professor e dos demais pesquisadores com os quais ele atua. Para chegar nesse ponto, ou seja, para de fato se tornar um produto, há um caminho de pesquisa a ser percorrido, inclusive com a atuação de outras áreas do conhecimento.

Uma das possibilidades é na área da saúde. A partir dos produtos das leveduras como potenciais compostos bioativos, é possível testar em cobaias ou em culturas de células, avaliando de que forma eles alteram o genoma de células cancerígenas, por exemplo.

Outro caminho é na Agronomia. Experimentos que vêm sendo feitos com células de leveduras testam o estímulo ao crescimento de plantas. A intenção é substituir fertilizantes convencionais por células de leveduras como promotoras de crescimento. Até o momento, os resultados preliminares, de acordo com o professor, têm sido bastante positivos.

Algo que já vem sendo verificado, também, é a resistência de leveduras a agrotóxicos já disponíveis nesses ambientes. “O que nossos resultados preliminares têm mostrado é que algumas dessas leveduras podem degradar esses compostos agressivos ao ambiente. Foi um processo de seleção, porque algumas leveduras sequer resistem a esse composto, morrem diante dele, enquanto outras degradam. Mas, imagina, é possível uma levedura que promova o crescimento e que resista aquilo que já está contaminando o ambiente”, ressalta ele.

Os pesquisadores do laboratório também fazem parte do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Leveduras. Segundo o professor, trata-se de um grande projeto do qual fazem parte pesquisadores de diversos estados brasileiros que trabalham com leveduras.

“Quando a gente pensa nos diferentes biomas do Brasil, existem pesquisadores que estão trabalhando no Cerrado, pesquisadores que estão trabalhando na Amazônia, no Pantanal, na Caatinga. E nós, dentro da Mata Atlântica, estamos trabalhando com as matas de araucárias”.

Desta forma, várias das leveduras isoladas aqui são encaminhadas para diferentes grupos no Brasil. Há um controle disso dentro do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade, com um sistema específico cujo intuito é cuidar do pool gênico do Brasil, da diversidade genética no Brasil. “Durante muito tempo, nós fomos explorados por outros países, que levaram muitas coisas daqui para fora e fizeram um lucro em cima disso. Agora a gente tem mais controle, com a catalogação e a indicação de movimentação dessas leveduras”.

Sergio explica que, atualmente, muitos grupos de pesquisa dentro da biotecnologia buscam os pesquisadores do laboratório para justamente tentar verificar que outras aplicações biotecnológicas essas leveduras conserváveis podem fornecer, em que setores industriais elas poderiam ser aplicadas. “Já mandamos para a Federal do Mato Grosso do Sul, tem leveduras nossas na Federal de Minas Gerais, na Federal de Santa Catarina, na Federal do Rio Grande do Sul, no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo”, finaliza.