No Mês da Consciência Negra, egressa lança livro sobre Lelia Gonzalez
A historiadora Taynara Aparecida Ferreira da Silva volta à UFFS - Campus Chapecó para dialogar sobre sua obra, fruto da pesquisa desenvolvida para o TCC

Publicado em: 18 de novembro de 2024 14h11min / Atualizado em: 18 de novembro de 2024 14h11min

Vivências, pesquisas, atuações, reflexões próprias, além da produção e da biografia de uma intelectual são alguns dos elementos que formam o livro “Lélia González: rebeldias epistêmicas”, de Taynara Aparecida Ferreira da Silva, egressa do curso de História da UFFS – Campus Chapecó. Atualmente mestranda na UFPR. Taynara vem a Chapecó para lançar e conversar sobre seu livro – fruto do TCC da graduação – no dia 28 de novembro, às 19h30, no auditório do Bloco da Biblioteca.

Em novembro, mês da Consciência Negra, o evento também acontece para promover reflexões a respeito do tema. E nada melhor do que, nesse momento, falar de uma intelectual negra, perpassando vivências da própria autora. “Não queria fazer uma biografia que fosse meramente descritiva ou que fosse muito padronizada, porque a gente já tem até algumas biografias sobre ela. Então, pensei também um pouco sobre as minhas experiências, porque eu acredito que teoria e prática estão articuladas. Então, foi uma pesquisa que também falou sobre a minha trajetória, mas que tinha, como guia, também as propostas e a trajetória da própria Lélia”, explica.

Graduada em 2023 na UFFS, Taynara veio do interior de São Paulo para Chapecó para estudar. A mudança de região – e o tratamento que recebeu de parte das pessoas – mudou, também, sua percepção. “Foi um choque, porque essa questão racial não estava tão posta, assim, para mim. Já vivia num espaço também muito periférico da cidade, e lá, a maior parte das pessoas eram pessoas pardas ou pretas, então eu não refletia muito sobre a questão racial. Eu me entendia já enquanto uma pessoa parda, mas não as implicações políticas disso. Entrei pelas ações afirmativas na UFFS como pessoa parda, e depois de me mudar para Santa Catarina, no Oeste catarinense, algumas coisas começaram a ficar mais evidentes para mim, como certos tratamentos e algumas diferenciações”.

Na universidade, ela recebeu recomendações e se inseriu no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi). Em um evento com leituras coletivas, despertou para o livro “Interseccionalidade”, de Carla Akotirene, que se tornou um referencial para suas pesquisas desde então. Com o interesse crescente, Taynara seguiu com as leituras e começou a participar das reuniões e do próprio Neabi. Mesmo durante a pandemia, ela e outros colegas e professores realizaram eventos e ela passou a viver mais intensamente o que chamou de “ritualística acadêmica”, mediando mesas, dialogando com palestrantes, aprofundando assuntos com os pesquisadores. “Foi no Neabi que me entendi enquanto pesquisadora, entendi também que poderia produzir uma pesquisa não totalmente tradicional e que dizia respeito à minha trajetória, à trajetória dos negros, da população negra e também das pessoas racializadas. Foi no Neabi que eu tive a certeza de que gostaria de continuar fazendo pesquisa e dialogando com essas pessoas que sigo admirando, que continuam sendo essa inspiração”, relata ela.

Taynara conta que foi nesse contexto que também conheceu sobre Lélia González, especialmente em conversas com sua orientadora, a professora Claudete Gomes Soares. Dos relatos, livros, entrevistas e todo material que acessou, resultou um encantamento. Porém, ela também ficou intrigada, porque, apesar da vasta produção intelectual, com ensaios, intervenções, artigos, falas, materiais em vídeo, entrevistas, premiações, , há um “silenciamento”. “Assim, eu começava também a questionar esse lugar ético e político da história, que era esse espaço de anunciação que eu tinha escolhido como área de pesquisa”.

Ela passou a pensar aspectos da biografia de Lélia e a dialogar com muita gente a esse respeito. “Foi então que decidi que seria interessante trazer isso à tona, sobretudo no debate sobre teoria da história, que era também uma área que eu queria muito adentrar e discutir, mas que também era marcado por uma canonização da branquitude, com os mesmos autores; autores que inclusive viveram no mesmo período que a Lélia, mas que tinham muito mais reconhecimento do que ela. Esses silenciamentos, sobretudo envolvendo essa questão racial, me motivaram muito a continuar pesquisando sobre ela e buscar cada vez mais”.

O conceito principal utilizado por ela é a noção de biografema, já que não queria fazer uma biografia tradicional, mas, sim, algo que enfatizasse a importância de Lélia, mostrasse como ela foi influente para sua geração de militantes negros e negras (sobretudo para as mulheres negras, que a autora aponta como as grandes responsáveis pela manutenção de sua memória), e para pensar sua trajetória política e acadêmica.
“Mas, como uma boa historiadora, também não poderia deixar de pensar o contexto histórico que a Lélia vai servir nas suas produções, com quem ela dialogava e também o espaço de informação do movimento negro unificado”. Nesse sentido, a autora traz os bairros black do Rio de Janeiro, que foram de articulação política da população negra antes do Movimento Negro Unificado, inaugurado em 1978. Traz, ainda, relatos de pessoas que conviveram com Lélia, a forma que entendiam a importância política dela para o movimento dos diversos coletivos que ela esteve.

“Acho que a grande novidade desse texto é também pensar a própria escrita da história: eu escrevo o livro e também toda a pesquisa em primeira pessoa, pensando essas outras possibilidades, de trazer esse conhecimento histórico acerca das suas demandas sociais, então, eu trago a importância política da historiografia negra para pensar o campo das Ciências Humanas. Dialogo com diversos autores, especialmente coma historiadora Saidiya Hartman quando ela traz o conceito de fabulação crítica. Em uma parte do livro, temos uma fotografia da Lélia com Aimé Césaire, que foi um grande intelectual martinicano que cunhou o termo negritude, inclusive. Lélia o conheceu, o entrevistou, mas a gente não sabe ao certo o que eles conversaram. Sabemos que a Lélia foi para a Martinica, conheceu esse espaço, dialogou com esses autores, com as revistas e com as produções deles. Então eu fiz esse exercício de fabulação: o que eles poderiam ter conversado? Será que o clima teve algum impacto nessa conversa? Será que a Lélia estava nervosa? Pensando nas descrições da sua personalidade – ela era uma pessoa muito, muito sorridente, muito contente, muito incisiva - então como que foi essa conversa? E peguei temas comuns, que eram caros antes, questões de cultura, de memória, de patrimônio, como que se considerariam essas relações entre história, museu, temas que também são tão caros para os historiadores, para a historiografia. Há um pouco de tudo isso, tendo como esse guia a trajetória da Lélia González, que perpassou todos esses espaços. De fato, ela é uma intelectual orgânica e muito potente”, finaliza Taynara.