Pesquisa apresenta perfil das pessoas com câncer no Alto Uruguai
Estudo destaca tipos de câncer mais prevalentes, grande índice de sobrepeso nos pacientes e incidência em trabalhadores da agricultura.

Publicado em: 03 de novembro de 2022 08h11min / Atualizado em: 03 de novembro de 2022 10h11min

Uma pesquisa desenvolvida no mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) – Campus Erechim apresenta um perfil das pessoas com câncer que residem na região do Alto Uruguai. O estudo foi realizado pela acadêmica Tanise Fitarelli Pandolfi Fridrich. Ela analisou dados dos prontuários de 377 pacientes atendidos em maio deste ano na Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) da Fundação Hospitalar Santa Terezinha de Erechim (FHSTE), que atende a população de 85 municípios. Tanise atua como nutricionista na Unacon.

Além de analisar os dados dos prontuários, a acadêmica realizou entrevistas com os pacientes nas salas de quimioterapia. “O que propomos é interpretar os fatos sociais, como a totalidade das maneiras de pensar, agir e sentir, segundo a identidade do paciente, entretanto, com uma construção externa, baseada em hábitos culturais e coletivos”, explica a autora da pesquisa. A dissertação de mestrado teve orientação do professor Alexandre Paulo Loro.

Faixa etária

Ao observar a idade dos pacientes, o estudo apontou a prevalência de idosos, corroborando com o perfil populacional mundial e também da nação, que está em processo de envelhecimento. No total, 68,8% dos pacientes tem 60 anos ou mais. A média de idade encontrada foi de 63,9 anos, reforçando a prevalência do câncer em idosos.

Tipos de câncer

Entre os 377 pacientes, os tipos de tumores mais prevalentes são:
1º) câncer de mama: 26,5%;
2º) câncer de próstata: 22,5%;
3º) câncer de intestino: 6,1%;
4º) câncer de pulmão: 5,5%;
5º) câncer de reto: 4,7%;
6º) câncer de estômago: 4,2%;
7º) linfomas: 3,4%;
8º) mielomas e câncer de pâncreas, ambos com 2,9;
9º) câncer de bexiga: 2,1%.

Quando separada por sexo, a prevalência é a seguinte:

Sexo masculino: tumores de próstata (85 casos, representado 45,9%), seguido de 14 casos de tumores em reto (7,5%) e de 10 casos de tumores de estômago (5,4%).

Sexo feminino: mama com 99 casos (51,5%), seguido de tumor de pulmão e de intestino com 12 casos cada (6,2%).

A pesquisa mostra que 100% dos casos de próstata são em homens com mais de 50 anos, enquanto 73% dos casos de mama são em mulheres acima de 50 anos.

- A mudança demográfica no Brasil e, consequentemente, o envelhecimento da população têm aumentado a incidência de câncer de mama e próstata. Uma das causas do aumento dos números é o acesso a serviços de saúde e, em consequência, o seu diagnóstico. Entretanto, falando em Brasil, ainda temos um quadro de disparidade, no qual muitas vezes o diagnóstico de pessoas com baixa renda é tardio, o que aumenta o risco de morte desses pacientes – diz Tanise.

Presença de outras doenças antes do câncer

Conforme a autora do estudo, a presença de outras doenças é importante para pacientes oncológicos, não em questão ao risco da doença, mas em relação à sobrevida e a morbidade. Dos pacientes analisados, 55,4% relataram apresentar alguma outra doença prévia ao câncer, as principais foram: hipertensão (41,1%), pré-diabetes ou diabetes (14,3%), dislipidemia (10%), outro tipo de câncer (9,2%) e alguma cardiopatia (5,3%).

Peso

Considerando todos os pacientes, 51,9% está com algum grau de sobrepeso.

Pacientes com menos de 60 anos:
- 2,5% com baixo peso;
- 30,2% dentro da normalidade ou eutrofia;
- 36,9% com sobrepeso;
- 29,4% em obesidade.

Pacientes com mais de 60 anos:
- 13,1% com baixo peso;
- 33,3% dentro da normalidade ou eutrofia;
- 45,3% com sobrepeso.

Da amostra total, a pesquisa não obteve dados suficientes de 22 pacientes (5,8%).

Ocupação

Há uma prevalência de trabalhadores da agricultura (agricultor, técnico agrícola) com 146 pacientes com essa ocupação (38,7%). Em segundo lugar, aparecem 59 pacientes que se classificam como “do lar” (15,6%); 31 pacientes (8,2%) que trabalham em áreas de comércio; 25 pacientes (6,6%) em áreas administrativas (administrador, advogado, analista fiscal, assistente financeiro, assistente técnico, atendente comercial, auxiliar administrativo, auxiliar de contabilidade, auxiliar de escritório, comprador, contabilidade, crediarista, empresário, funcionário público, secretária, supervisor); 21 pacientes (5,5%) em trabalhos relacionados à indústria; 16 pacientes (4,2%) em serviços gerais (babá, diarista, doméstica, serviços gerais); 15 pacientes (3,9%) da construção civil (carpinteiro, construtor, eletricista, pedreiro, pintor, servente); 14 pacientes (3,7%) aposentados, 10 pacientes (2,6%) são motoristas ou taxistas; 10 pacientes (2,6%) não apresentam ocupação; 8 pacientes (2,1%) da área da saúde; 5 pacientes (1,3%) trabalham na área automotiva (auxiliar de mecânico, borracheiro, mecânico), outros 5 (1,3%) no ramo da estética (barbeiro, cabeleireira, manicure); 5 (1,3%) são professores e 5 (1,3%) apresentam outras profissões (garimpeiro, lenhador, marinheiro, vigilante).

- Trazer a análise da ocupação/profissão dos pacientes é um ponto muito importante, visto que uma boa parte dos cânceres tem relação com fatores ambientais. As exposições podem ocorrer ao longo da vida e em diversas ocasiões. Os ambientes laborais são ponto importante de contaminação para os adultos, mas muitas vezes são desconsiderados, e podem aumentar o risco do câncer e, ainda, afetar os descendentes – conta a autora do estudo.

- Alguns exemplos que podemos considerar são os agricultores em contato com os agrotóxicos, os motoristas e mecânicos em contato com derivados de petróleo, os profissionais de construção e da indústria em contato com produtos químicos, os profissionais da estética, e também os profissionais de saúde em contato com agentes infecciosos e radiação.

Escolaridade

Quanto à escolaridade dos pacientes, 72,9% apresentam, no máximo, o ensino fundamental. Com nível médio (completo e incompleto) temos 70 pacientes (18,57%), nível técnico 3 pacientes (0,8%) e nível superior ou além 17 pessoas (4,51%).

Conforme a pesquisadora, avaliar a escolaridade é um fator importante por saber-se que a baixa escolaridade é um dos pontos relacionados com o aumento ao risco para o desenvolvimento do câncer.

- Entender que 72,9% dos pacientes tem no máximo o ensino fundamental mostra a fragilidade da educação em nosso país. A baixa escolaridade pode ser relacionada com uma maior dificuldade de compreensão e análise crítica das informações, colocando essa população em situação de vulnerabilidade – explica Tanise.

Dos 275 pacientes que possuem no máximo o ensino fundamental completo, 205 têm mais do que 60 anos, representando 74,5% da amostra.

Distribuição por municípios

O estudo aponta que, da população atendida pelo FHSTE no período analisado, o município com maior número de pacientes é o de Erechim com 116 pessoas em atendimento (30,7%), seguido por Getúlio Vargas com 23 pacientes (6,1%) e Frederico Westphalen com 16 pacientes (4,2%). Considerando a divisão por coordenadorias regionais de saúde, há uma prevalência de pacientes da 11ª CRS (76,6%). Depois aparece a 2ª CRS com 84 pacientes (22,2%) e, finalmente, a 15ª CRS com 4 pacientes (1,06%).

Área de habitação

O levantamento mostrou que 69,5% dos pacientes residem em áreas urbanas, enquanto 30,5% residem em áreas rurais.

Tabaco

No total, 35,2% dos pacientes tiveram algum tipo de contato com o tabaco, sendo que 15,3% são tabagistas ativos, 17,5% cessaram o consumo e 2,3% pessoas são tabagistas passivas. Quase metade dos pacientes nega o contato com o fumo (47,4%) e em 17,2% há falta de informação – em muitos casos, por falta de preenchimento dos dados no prontuário médico.

Álcool

A maioria dos pacientes (62,8%) nega que consome bebida alcoólica, enquanto 8,7% afirma fazer a ingestão. Do total, 7,1% relatam que pararam de ingerir a bebida. Ainda, 2,9% disseram que consumem apenas de forma social. A pesquisa não obteve informação de 18,3% dos pacientes por falta de informação no prontuário.

Histórico familiar

Sobre o histórico familiar de câncer, a pesquisa encontrou associação positiva em 26,7% dos casos, enquanto 37,9% nega haver casos de câncer na família. Três pacientes não sabem se existe algum familiar com a doença e, no prontuário de 130 participantes, não há essa informação registrada.

Tempo de espera

Quanto ao tempo de espera entre diagnóstico e início do tratamento quimioterápico, 37,1% dos pacientes esperaram, no máximo, 1 mês, 22,2% esperaram 2 meses e 13,7% esperam 3 meses para iniciar o tratamento. Foi reforçado que, em acordo com a legislação, cerca de 73% dos pacientes consegue iniciar o tratamento dentro do tempo estimado. É preciso considerar para os demais que há casos que passam por outros procedimentos anteriormente e, ainda, que abandonam o tratamento.

Entrevistas

Tanise entrevistou 16 pacientes que estavam iniciando quimioterapia naquele mês. Eles representam uma amostra dos 50 pacientes iniciantes dentre os 377 prontuários analisados. Essa segunda parte dos estudos apresenta outras informações relevantes. Um dos pontos, por exemplo, é a prevalência de atividades laborais ativas entre os pacientes e, ao mesmo tempo, a não prevalência do hábito do exercício físico regular.

Nos homens, o exercício que apareceu foi o futebol, entretanto, ele se destaca nos pacientes quando jovens, sendo que muitos deixaram a prática ao envelhecer. Já entre as mulheres, a caminhada foi a atividade mais exercida.

A justificativa apresentada por aqueles que não exercem atividades físicas é a sua atividade laboral intensa (na agricultura, na construção ou em madeireiras).

A percepção geral da autora, com as entrevistas, é de que a prevenção é ainda a melhor forma de evitar a doença e, em especial, a progressão dela. “Por essa razão, investir em uma atenção primária mais assertiva que realize os exames de rotina na população e, principalmente, que atue de forma educativa no incentivo de um estilo de vida saudável, é de extrema importância para mudarmos a perspectiva dos números do câncer”, destaca.

Saúde e ciências humanas

“Atuar dentro das ciências humanas permite que o profissional da saúde amplie seus horizontes. Na área da saúde, em geral, somos formados para analisar dados e atuar dentro de uma ‘medicina baseada em evidências’ que é válida, afinal é através disso que temos os avanços de saúde que acompanhamos todos os dias. Entretanto, trazer o paciente para além do número e entendê-lo como um ser único, completo e que está inserido em uma cultura, faz com que esses números ganhem vida, a ponto de compreendermos mais além: o porquê de, muitas vezes, algumas ações que, do ponto de vista técnico, são tão simples acabam não virando parte da realidade da população”, complementa Tanise.

Tanise durante a banca de defesa da dissertação: pesquisadora atua como nutricionista (Acervo pessoal)

O mestrado Interdisciplinar em Ciências Humanas é um dos quatro mestrados ofertados pela UFFS no Campus Erechim. Todos os cursos são gratuitos. Saiba mais em https://www.uffs.edu.br/campi/erechim/cursos/mestrado.