Comitê da ONU acolhe proposições de relatório apresentado por professor da UFFS
Documento elaborado pela delegação da Via Campesina também contou com contribuições de estudantes da Universidade

Publicado em: 24 de outubro de 2023 11h10min / Atualizado em: 24 de outubro de 2023 14h10min

O Comitê de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou em 16 de outubro as suas observações finais após a realização da 74ª sessão, que ocorreu de 25 de setembro a 13 de outubro em Genebra, na Suíça. No documento divulgado, foram acolhidas as preocupações presentes no relatório apresentado pelo professor Antônio Andrioli, da UFFS – Campus Chapecó, em pronunciamento no dia 27 de setembro, como porta-voz da delegação da Via Campesina.

Conforme Andrioli, as observações do comitê criticam o governo brasileiro em diversas questões que violam os direitos humanos, relativas ao acordo de Livre Comércio EU-Mercosul, à economia no país, ao acesso à água potável em áreas rurais, à preservação das florestas, à agricultura e alimentação, assim como ao perigo do uso de agrotóxicos (informações detalhadas constam no documento disponível no final desta matéria).

O professor destaca que as recomendações finais do comitê são obrigatórias para todos os Estados que ratificaram o Pacto Internacional. “Nesse contexto, o governo brasileiro deve implementar as recomendações nos próximos meses. Em relação às empresas e à seguridade social o prazo é de 24 meses, até 31 de outubro de 2025. Isso também inclui a proibição do glifosato”, pontua.

Participações

Esta foi a segunda participação de Andrioli em uma sessão do Comitê de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais da ONU. A primeira foi em 2009, quando, segundo o professor, foi apresentado um relatório mais focado na política ambiental e indígena, considerados os maiores problemas do governo brasileiro naquele período. “De lá para cá, as recomendações da ONU influenciaram muitas organizações da sociedade civil e governos no mundo inteiro. Avaliamos, portanto, que essa luta valeu a pena e que houveram avanços significativos. Mais recentemente, podemos citar especialmente a criação de um Ministério para os Povos Indígenas no Brasil, as políticas de redução do desmatamento e a incorporação da temática da sustentabilidade em muitas áreas do governo brasileiro e na sociedade em geral. Também mencionamos a conquista da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses e outras pessoas que trabalham em áreas rurais em 2018”, destaca.

De acordo com Andrioli, “no relatório apresentado neste ano, além da renovação das nossas críticas à expansão do cultivo de soja transgênica, que ameaça o direito à alimentação, ao meio ambiente saudável e à autodeterminação das comunidades rurais, reforçamos nossas denúncias em relação ao uso indiscriminado de agrotóxicos. O uso de agrotóxicos triplicou com o cultivo da soja transgênica e ele poderá aumentar ainda mais se for assinado o acordo da União Europeia com o Mercosul, que prevê a eliminação de taxas alfandegárias para a exportação desses produtos da União Europeia para o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai. Atualmente, 44% dos agrotóxicos usados no Brasil não estão autorizados nos países da União Europeia. O veneno mais usado no mundo, o glifosato, foi considerado como provavelmente cancerígeno pela Organização Mundial da Saúde e há previsão de ser proibido na União Europeia até o final do ano”, comenta. Ele lembra que entre as recomendações do comitê ao governo brasileiro consta a proibição do uso de produtos à base de glifosato no Brasil e a necessidade de revisão do Acordo da União Europeia com o Mercosul. “Isso representa um grande avanço e fortalece as lutas por uma sociedade mais justa e sustentável”, comenta.

Experiência

Ao ser questionado a respeito do impacto de suas participações nas sessões da ONU, Andrioli afirma que estuda a temática da agricultura sustentável há várias décadas e defende a necessidade de uma ciência cidadã, que contribua com o desenvolvimento regional e a melhoria da qualidade de vida nas comunidades rurais. “Nós sabemos que o uso de agrotóxicos tem sido um dos maiores problemas ambientais e de saúde pública do Brasil e que precisamos urgentemente mudar isso. A agroecologia é a solução para isso e ela carece de muito conhecimento científico, produzido por instituições públicas em interação com as organizações e movimentos dos agricultores. A criação da UFFS também surgiu nesse contexto e está nesse propósito, motivado, entre outros, pela Via Campesina e a Fetraf em nossa região. Saber que a proibição do uso de glifosato agora tem esse apelo social e político internacional a ponto de ser acolhida pela Comissão de Direitos Humanos na ONU é um momento importante nesse reconhecimento da luta dos agricultores, aos quais eu dedico meu trabalho acadêmico e minha vida profissional”.

Andrioli conta que o relatório apresentado em Genebra nesse ano foi construído juntamente com os estudantes do componente curricular Direitos e Cidadania, que ministrou no decorrer de vários semestres na UFFS desde 2019. “Foram muitos seminários e debates realizados com estudantes de várias turmas, em diferentes cursos oferecidos no Campus Chapecó. Além disso, também envolvemos estudantes do curso de Medicina no componente curricular Saúde Coletiva III, debatendo especialmente a relação do cultivo de plantas transgênicas com o uso de agrotóxicos e as implicações do Acordo Comercial da União Europeia com o Mercosul sobre a saúde coletiva, a saúde ambiental e a saúde dos trabalhadores. Esse é um primeiro aspecto importante a ser destacado em nosso relatório: o envolvimento de estudantes que puderam acompanhar a construção de uma denúncia na ONU e presenciaram seu início, meio e fim. Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que neste ano comemora 75 anos de existência, não foi apenas objeto de um estudo abstrato ou teórico sobre seu conteúdo, mas serviu de instrumento concreto para a efetivação de direitos humanos”.

“O segundo aspecto decorrente do nosso relatório, que agora pode ser muito bem aproveitado pela UFFS, é a orientação da ONU propondo um mecanismo (que poderia ser na forma de um observatório ou instituto de direitos humanos) com a finalidade de informar, aplicar e acompanhar as referidas recomendações. Como instituição federal, a UFFS poderia se dirigir ao governo brasileiro com a intenção de sediar esse órgão, contribuindo com a implementação das recomendações nos 24 meses previstos. É mais uma oportunidade que se abre a essa universidade tão jovem, que já havia sido pioneira na construção de um Centro de Referência em Direitos Humanos e poderia, com isso, consolidar sua ação nessa área, inclusive com a proposição de um mestrado em direitos humanos”, finaliza.

Documentos

As observações finais do Comitê de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais da ONU estão disponíveis em: https://tinyurl.com/2p92hmuv

Confira o documento enviado para a imprensa pela Via Campesina com as principais recomendações feitas pelo comitê: link para download.

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