Publicado em: 19 de abril de 2011 09h04min / Atualizado em: 21 de março de 2017 09h03min
Com significativo conhecimento dos estudos da linguagem, o professor doutor João Wanderley Geraldi ultrapassa o “teoreticismo” desligado da vida. Ao mesmo tempo em que dialoga com uma série de estudos, de várias áreas, Geraldi delimita o seu próprio “posto de observação” que lhe permite olhar e compreender elementos da realidade social.
A partir disso, apresenta propostas, sugestões, alternativas que buscam a construção de uma educação mais humana e de melhor qualidade. Sua fala vai além de um convite para pensar o sistema educativo brasileiro: nos provoca a reflexão e nos chama para o compromisso responsável e responsivo enquanto professores, pesquisadores, estudantes envolvidos numa relação, neste caso, de ensino-aprendizagem.
Em se tratando de Geraldi, há um jeito de conversar sobre os estudos da linguagem e esse jeito é marcado pelo conhecimento de teorias e pelo conhecimento adquirido da experiência, por longos anos, com professores e como professor. Importante destacar que sob “esse jeito” de conceber fenômenos da realidade repousa uma crença na educação, uma certa utopia (e por que não?) move suas reflexões. Como ele mesmo menciona em seus escritos, trata-se de acreditar no homem, na sua capacidade de realizar mudanças.
João Wanderley Geraldi sempre esteve à frente de reconhecidas reflexões, propostas e atuações em torno do sistema educativo brasileiro. A linguagem é o ponto de vista pelo qual Geraldi olha o processo educacional - mais especificamente, o escolar, de modo que podemos afirmar que seus estudos são pioneiros, sobretudo, no ensino de língua portuguesa. Trata-se, pois, de um professor que foi e que é protagonista da reforma do processo de ensino-aprendizagem de língua. Geraldi esteve na UFFS – Campus Cerro Largo para palestrar nos dias 14 e 15 de abril, e concedeu uma entrevista à Chefe de Apoio ao Serviço de Comunicação, Mariangela Brum Frota, e aos professores Ana Beatriz Dias, Demétrio Paz e Marcelo Krug.
O Senhor é conhecido como professor, linguista, político. Pensando nos seus escritos, ao longo de sua trajetória, como o Senhor se vê?
Geraldi: Eu me vejo com um estudante da Linguagem. Um cidadão preocupado com o desenvolvimento social, e fundamentalmente com a justiça social e com as desigualdades do País. Penso que hoje eu estou mais próximo da Filosofia da Linguagem do que da própria Linguística ou da área de Letras, da Literatura. Ao longo de minha carreira fui saindo da Linguística Stricto Sensu, fui entrando para a Análise de Discurso e para a Filosofia da Linguagem. Hoje penso que sou mais um Filósofo da Linguagem, preocupado com as questões de Educação.
De que maneira os estudos bakhtinianos influenciaram a sua prática docente?
Geraldi: Os estudos bakhtinianos abrem uma perspectiva de pensar a Linguagem como um todo, e não pensar coisas muito estreitas, muito fechadas dentro de uma noção de sistema, e obrigam também a ir para a Cultura. Eu considero Bakhtin um Filósofo e um nome dos Estudos Culturais. Assim como ele escreveu sobre Literatura, escreveu também sobre Metodologia da Ciência, Estética, de um modo geral, e Linguagem. Ele é mais próximo da área da Filosofia da Cultura, do que de qualquer outra coisa. No primeiro semestre de 1977, Carlos Vogt deu um seminário no programa de pós-graduação em Linguística, só sobre o Marxismo e Filosofia da Linguagem. No Brasil, o livro foi traduzido e publicado pela primeira vez já em 1978. Em 1981, começa no Brasil um movimento de leitura de Bakhtin entre os linguistas, a partir da UNICAMP, e acho que fui um grande divulgador de Bakhtin nesse sentido. Claro que Bakhtin teve uma grande influência na minha formação. A leitura de Bakhtin me fez, mais tarde, ir abandonando as várias correntes da Linguística pelas quais fui passando na minha formação, como Semântica Argumentativa, Análise de Discurso chamada de linha francesa e Análise da Conversação. Após me fixei um pouco nos estudos bakhtinianos. Na minha prática docente acabei dando muito curso na Pós-graduação, sobre Bakhtin, lendo muito, mesmo as obras de Estudos da Literatura, o que surpreendia um pouco o pessoal da área de Literatura. Ler e estudar Bakhtin foi o que fez também a minha prática docente. Todos os meus convites para dar aula no exterior, são para dar aula sobre Bakhtin. Acabei me tornando um leitor de Bakhtin, mas não me considero um especialista, um exegeta.
Quais as contribuições que os estudos bakhtinianos podem oferecer à Linguística?
Geraldi: Primeiro uma contribuição essencial: recuperar o conceito de Linguagem. Eu acho que a Linguística do séc. XX, sob um enfoque estruturalista, se fixa na língua como seu objeto de estudos, e esquece a linguagem. Tanto que quem vai estudar a linguagem de fato, é a Filosofia e a Psicologia, especialmente a Psicologia Cognitiva. Segundo é recolocar uma associação dos estudos sobre a linguagem, dos fenômenos linguísticos, numa perspectiva cultural e não matemática ou cognitiva. Com a presença do pensamento bakhtiniano entre os linguistas, a visão estreita do estruturalismo é afastada. A terceira grande contribuição é o fato de Bakhtin mostrar que a linguagem perpassa todas as atividades humanas e que, portanto, um estudioso da linguagem não pode descontextualizar as atividades humanas quando estuda a linguagem, onde a linguagem circula e onde ela faz sentido.
Se Bakhtin como teórico preocupou-se com a Literatura, como atestam os títulos de suas obras, por que a Linguística apropriou-se de termos criados por ele para analisar obras literárias, como polifonia e dialogismo?
Geraldi: A Literatura não existe sem a Linguagem. A partir da ideia da “instituição” Literatura, você quer separá-la como se ela não fosse também da área da linguagem. Não há Literatura sem Linguagem. Eu absolutamente não acredito na “linguagem literária”. Ela não é traduzível para a linguagem natural, ela se produz com a linguagem natural. Quando Bakhtin vai estudar o discurso literário, começa a cunhar conceitos para analisar esse discurso, mas vai chegando lá na linguagem, porque esses conceitos na verdade são cunhados para estudar o discurso literário, mas são características da linguagem.
Tendo como ponto de partida a escola/universidade como uma casa de aprendizagem, em que professor e aluno se constituem enquanto sujeitos na interação estabelecida na sala de aula, como o Senhor vê a produção textual como uma atividade que determina uma avaliação? Como atribuir uma nota a um sujeito que, no seu texto, revela não só a sua leitura de palavra, mas a sua leitura de mundo?
Geraldi: O termo redação cabe precisamente quando você demanda que alguém escreva algo para se avaliar. Por isso que na prova de vestibular há uma redação, num concurso se faz redação, não se produzem textos. Se eu pensar no processo de sala de aula, vou tentar evitar ao máximo a redação no projeto de ensino. Falar em produção de texto é remeter à noção de agente de produção, instrumentos de produção (os recursos expressivos) e condições de produção, ou seja, é remeter ao Marxismo. Uma condição de produção de um texto, é que ele tenha uma circulação. Todo o ensino, se eu pensar o processo de produção de texto a partir da noção de aprendizagem em que se dá o ensino do professor, o professor é do aluno um coautor. O principal personagem de Saramago em “A história do cerco de Lisboa”, faz uma afirmação: “todos nós sabemos que um texto sempre pode ser revisado e escrito de outro jeito.” O professor é um agente cultural. Eu afastaria a noção de avaliação de textos em benefício do projeto final dentro do qual o texto é produzido.
Sobre o Ato Responsável, pensando no compromisso do professor nos dias de hoje, quais os desafios do fazer docente, diante da realidade de uma Universidade recém-criada, como a UFFS?
Geraldi: Eu invejo vocês. Poucas pessoas na História têm essa chance. Isso é algo que vocês verão crescer e irá escapar das suas mãos, um dia. É uma responsabilidade enorme mostrar que uma universidade pública no interior é possível. Não se sintam colonizados nem inferiorizados em relação a outras universidades. Vocês têm aqui um laboratório, um campo enorme para trabalhar e têm todas as possibilidades de pensar uma universidade que comece a produzir conhecimento sobre a sua região, sem esquecer que região não existe, é um recorte que você faz, que só existe se existir algo para fora dela. A tendência das universidades, infelizmente, é se fecharem em si. Mas o que faz a universidade é o que está fora da universidade.
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