Publicado em: 01 de novembro de 2023 15h11min / Atualizado em: 01 de novembro de 2023 15h11min
As chuvas intensas têm sido motivo de preocupação entre os moradores da região sul do Brasil nos últimos meses. Muitos foram os estragos provocados por inundações e deslizamentos e a “culpa” tem sido atribuída a um velho conhecido, o fenômeno climático El Niño. Depois de um tempo afastado, ele está de volta e, pelo que preveem os meteorologistas, deve provocar ainda muita chuva, pelo menos até o mês de maio de 2024.
Embora todos saibam seu nome e sintam seus efeitos, poucos entendem o que é, de fato, o El Niño. O professor de climatologia da UFFS - Campus Chapecó, Andrey Binda, explica que o El Niño é uma das fases de um fenômeno que é chamado de El Niño Oscilação Sul (ENOS). Além da fase de El Niño, o ENOS é composto por outras duas, a neutra e por outra conhecida, a La Niña. Binda diz que existe uma interação constante entre o oceano e a atmosfera e, por esta razão, sempre ocorrem mudanças na temperatura superficial das águas do oceano Pacífico, que ora estão mais quentes (El Niño), ora mais frias (La Niña). Essas mudanças na temperatura do oceano afetam o clima em diversas partes da Terra. No caso específico do ENOS, as oscilações na temperatura das águas do oceano Pacífico é que ditam qual será a tendência do clima, especialmente na América do Sul.
De acordo com o professor, um fator que influencia na temperatura do oceano Pacífico, na região próxima da linha do Equador, são os ventos alísios. Nesta área do planeta, ocorre a convergência destes ventos, que quando se tornam mais fracos, permitem um aumento da temperatura das águas (El Niño). Pela dinâmica oceânica, as águas mais quentes se deslocam para o centro do oceano Pacífico e/ou para áreas mais próximas da costa da América do Sul e, consequentemente, influenciam na ocorrência de mais chuvas na região sul do Brasil e secas na porção norte e nordeste do país. A La Niña, por outro lado, acontece quando os ventos alísios se intensificam e, por consequência, deixam as águas do oceano Pacífico mais frias. As respostas na chuva é oposta ao El Niño, ou seja, menos chuvas na região sul e excesso nas regiões norte e nordeste,
Conforme o professor, os últimos anos, sobretudo, 2020 e 2021, tinham sido mais secos, pois estávamos sob a influência do fenômeno La Niña. As anomalias negativas da temperatura do oceano que imperaram nos últimos anos, passaram a partir do início do ano para o campo positivo, ou seja, as águas se tornaram mais quentes, caracterizando um novo episódio de El Niño. Segundo ele, há um “aquecimento anômalo desde a costa sul-americana que se estende até o oceano Pacífico central” e, segundo a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), há uma chance de 80% de que o fenômeno siga ativo pelo menos até o mês de maio de 2024.
Binda afirma que “nenhum El Niño que aconteceu é igual aos seus irmãos”, por isso não é possível “cravar” previsões sobre o evento atual. Porém, as condições de aquecimento no oceano são similares a outros anos, como por exemplo, 1982 e 1983, 1997 e 1998 e, mais recentemente, entre 2015 e 2016. “Se recordarmos, esses anos foram extremamente chuvosos na região sul”, comenta. Conforme o professor, a média de precipitação anual na região sul variam entre 1.600 a 2.000 milímetros e somente no mês de setembro deste ano choveu, por exemplo, quase 700 milímetros em Caçapava do Sul (RS), ou seja, em um único mês foi quase metade do volume previsto para todo o ano.
Em Santa Catarina, diferentemente do Rio Grande do Sul, as chuvas em setembro ficaram próximas ou um pouco acima da média, porém, em outubro a situação foi bem diferente. O normal esperado de 160 a 200 milímetros no mês foi superado em praticamente todo estado, com algumas localidades superando a casa dos 500 milímetros, com valores máximos de 659 milímetros em Itapiranga (no oeste do estado) e 725 milímetros em Mirin Doce (no vale do Itajaí), conforme dados da EPAGRI/CIRAM. Em Chapecó, a média de longo prazo de outubro é na casa de 225 milímetros e o total acumulado em outubro foi de 576 milímetros. Além de corresponder a mais que o dobro do volume de chuva esperado, esse valor é o maior total de chuva acumulada no mês de outubro, superando os 477 milímetros registrados no mês, no ano de 1979.
Pesquisas
Os fenômenos climáticos e suas consequências são frequente tema de pesquisas entre os professores e estudantes da UFFS. Binda conta que a cidade de Chapecó, por exemplo, tem sido o foco de seus estudos, especialmente em relação às inundações urbanas. Ao longo dos últimos anos, se reconhece que as inundações são fenômenos recorrentes em Chapecó desde a década de 1980. “Isso decorre, notadamente, do efeito da urbanização sobre as rotas de água na cidade e em Chapecó. A cidade se concentrou sobre a bacia do Lajeado Passo dos Índios, que é o principal rio urbano de Chapecó”, comenta.
De acordo com Binda, a ocupação urbana é considerada a principal forma de mudança na dinâmica de uma bacia hidrográfica, por isso são importantes estudos sobre os efeitos destas alterações. Em pesquisa de mestrado orientada pelo professor e conduzida pela autora Cássia Regina Segnor em 2021, se observou que o Lajeado da Divisa, que passa ao lado da UFFS, e o Lajeado Taquaruçuzinho, na região do bairro Efapi, por estarem em área de expansão urbana recente, necessitam de observação criteriosa para que não ocorram problemas com inundações futuras.
O professor ainda chama atenção que, mesmo com o grande volume de chuvas no último mês de outubro, Chapecó não registrou pontos de inundações, devido ao procedimento de limpeza dos rios urbanos. “Diferente do ano de 2015, quando a cidade colapsou com diversos pontos de inundação, neste ano, locais que reconhecidamente eram crônicos, não registraram a ocorrência do fenômeno”, acrescenta.
Recentemente, o professor em colaboração com a autora Elaiz Aparecida Mensh Buffon, doutora em Geografia e egressa do curso de Geografia da UFFS, publicaram um capítulo no livro “Urban Flooding in Brazil” (MENDONÇA; FARIAS; BUFFON, 2023) disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-031-20898-0_19. Nele, Binda e Buffon analisaram dados de precipitação desde a escala diária até 10 minutos durante eventos que desencadearam crises hídricas no sistema de drenagem urbana de Chapecó. “Pelas características climáticas que imperam em Chapecó, o sistema de drenagem urbana tem que estar adequado, tanto a chuvas concentradas e de curta duração, como também, para chuvas duradouras e de alto volume, o que é um desafio para o planejamento e gestão da cidade”, comenta.
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