Um intenso processo de pesquisa em diálogo com estudantes da graduação e do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas (PPGICH) resultou no livro Arquivos de Prisão: Eglê Malheiros e Salim Miguel, organizado pelo professor e pesquisador da UFFS – Campus Chapecó, Ricardo Machado, pela Editora Humana.
A orientação de trabalhos que exploraram o acervo de Eglê Malheiros e Salim Miguel e a coordenação de discussões a respeito do tema no Grupo de Estudos em Teoria da História impulsionaram o professor a investigar ainda mais a questão. “Foram essas trocas acadêmicas que me motivaram a aprofundar o tema e, por consequência, a publicar este livro”, destaca ele.
As prisões dos escritores Salim Miguel e Eglê Malheiros, assim como a queima dos livros da livraria Anita Garibaldi, ocorreram nos primeiros dias do golpe de 1964, marcando não apenas a trajetória pessoal do casal, mas também o cenário político catarinense. O professor relata que Salim foi preso em 2 de abril de 1964, enquanto tomava um café no centro de Florianópolis; dias depois, Eglê foi detida em casa, deixando em casa sozinhos quatro filhos pequenos, todos com menos de dez anos.
O professor conta que se emocionou assistindo ao filme Ainda estou Aqui, de Walter Salles, ao perceber semelhanças entre a história da família Miguel-Malheiros e a do ex-deputado Rubens Paiva, apesar das diferenças nos desfechos das histórias. De acordo com ele, Eglê e Salim não foram vítimas de tortura física e foram libertos meses depois, mas os documentos mostram que viveram sob vigilância por anos, algo que moldou profundamente suas trajetórias. “Esses registros evidenciam a complexidade do estado de exceção e as estratégias sutis, porém devastadoras, utilizadas pelo regime para controlar e silenciar seus opositores”.
Conforme o pesquisador, a ideia do livro começou a tomar forma há cinco anos, em um momento no qual os debates sobre a Ditadura Militar voltaram a ganhar força. “Mas percebi que havia um desconhecimento generalizado sobre os impactos desse período em Santa Catarina. A partir disso, iniciei pesquisas em colaboração com estudantes, o que me levou hoje a este formato do Arquivos de Prisão. Nesses anos dediquei-me à análise de documentos disponíveis no Instituto de Documentação em Ciências Humanas da UDESC, no Memórias Reveladas e no Brasil Nunca Mais, buscando compreender melhor os desdobramentos desses eventos no estado”, conta o professor.
Com o acesso aos documentos, Machado percebeu que havia muitas nuances desconhecidas, apesar dos relatos de experiências de Eglê e Salim em textos e entrevistas feitos a partir da redemocratização, além do livro Primeiro de Abril, de Salim, publicado pela José Olympio em 1994 (uma das principais referências sobre o tema).
O livro traz textos escritos por Eglê e Salim em 1998, ano marcado pela solicitação, pelo casal, de indenização pelos anos de perseguição. Entre os documentos, conforme o pesquisador, Salim anexou trechos de Primeiro de Abril, e, por isso, resolveu-se inseri-los ao Arquivos de Prisão. “Paralelamente, apresento documentos produzidos pelo Serviço Nacional de Informações (SNI), nos quais são registradas suspeitas sobre as atividades culturais e políticas do casal, evidenciando a vigilância constante a que foram submetidos”, finaliza Machado.
Eventos de lançamento
Em Florianópolis:
04 de Abril (sexta-feira), às 14h, Auditório Tito Sena, FAED/ UDESC.
Em Chapecó: 12 de abril (sábado), às 16h, no Café Brasiliano (R. Marechal José B. Bormann, D, 82. Centro).
Resumo
Eglê Malheiros (1928–2024) foi uma escritora, tradutora e professora, autora de obras como Manhã (1954), Vozes Veladas (1996) e Os Meus Fantasmas (2002). Precursora, foi a primeira mulher a cursar Direito em Santa Catarina também foi professora de História e militante comunista, atuando como dirigente do PCB e candidata à Assembleia Constituinte em 1986.
Salim Miguel (1924–2016), escritor com uma vasta produção literária, publicou mais de trinta obras, entre elas o livro de contos A Velhice e Outros Contos (1951), o romance Nur na Escuridão (1999) e a coletânea de crônicas Eu e as Curruíras (2001).
Junto a outros artistas, o casal fundou o Círculo de Arte Moderna, conhecido como Grupo Sul, um movimento cultural que, nos anos 1950, difundiu o modernismo em Santa Catarina por meio de iniciativas como a Revista Sul. Casados desde 1952, Eglê e Salim foram presos nos primeiros dias de abril de 1964, vítimas da repressão instaurada pelo golpe civil-militar.
O episódio trágico marcou suas trajetórias artísticas e familiares, tornando-se um símbolo das feridas ainda abertas na história do Brasil.
Arquivos de Prisão apresenta a um público amplo aspectos relacionados a esse acontecimento, destacando a materialidade dos documentos que, ao registrar e capturar palavras, também produziram efeitos sobre a História.
Este livro-arquivo, organizado pelo historiador Ricardo Machado, propõe um novo embaralhamento desses papéis — um gesto que, ao tensionar memórias e desestabilizar a linearidade do tempo, permite novas interpretações.