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Pandemia de Covid-19: cinco anos após seu início, consequências são diversas e preocupam

Professora Marcela Martins Furlan de Léo, do Campus Chapecó, comenta prejuízos da pandemia, em especial para a saúde mental

Diretoria de Comunicação Social — 27 de Março de 2025 — Atualizado em 27/03/2025

Pandemia de Covid-19: cinco anos após seu início, consequências são diversas e preocupam

A professora Marcela Martins Furlan de Léo é doutora em Ciências - Enfermagem Psiquiátrica (USP), professora associada do curso de Enfermagem da UFFS e professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da UFFS

Há cinco anos, em 11 de março de 2020, a Covid-19 foi caracterizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma pandemia, devido à sua ampla distribuição geográfica pelo mundo. Nas semanas seguintes ao anúncio, medidas de prevenção transformaram a vida da população de todos os continentes. O uso de máscaras passou a ser obrigatório, assim como o isolamento social. 2020 foi um ano de medo, incerteza e muitas perdas. Apesar de, atualmente, a Covid-19 não ser mais uma pandemia, os efeitos decorrentes dela permanecem e são preocupantes. Convidamos a professora Marcela Martins Furlan de Léo, do curso de Enfermagem e do Programa de Pós Graduação em Enfermagem (PPGEnf) do Campus Chapecó, para falar um pouco sobre os impactos da pandemia de Covid-19 sobre a saúde mental, nestes cinco anos.

Para Marcela, a pandemia foi responsável por uma crise na saúde, em termos planetários, tanto no que se refere ao estado de saúde das populações, quanto na macroestrutura em saúde. “Isso significa dizer que, além do impacto orgânico e neuropsicológico, os recursos e dispositivos do setor saúde não foram suficientes para responder às demandas da população, com destaque para os países em desenvolvimento. Essa realidade se aplica ao campo da saúde mental, que continua sobrecarregado na conjuntura atual, mesmo estabilizado o panorama da Covid. É razoável dizer que dois anos de mortes em massa, reclusão e pânico, considerando-se, ainda, o sentimento de desesperança que se instalou no planeta, terão seus efeitos ao longo do tempo sobre a humanidade”, diz.

Impactos imediatos

“Enquanto milhões de pessoas morriam ou sofriam os impactantes danos decorrentes da infecção, outras viviam as aflições e incertezas sobre o contágio, separadas daqueles com quem conviviam, e também expostas a outras adversidades associadas à pandemia. A incidência da pandemia sobre o mercado de trabalho, sobre o acesso à saúde e assistência social, seu impacto sanitário, em um contexto sociopolítico instável, associado ao infortúnio da desinformação, que confundiu muito a população em torno da doença e da prevenção, exigiu enfrentamentos novos para problemas então desconhecidos, que desorganizaram a sociedade e o próprio Estado.

Inclusive, estamos falando sobre profissionais que se entregaram ao cuidado da saúde da população, extremamente expostos ao contágio, traumatizados e adoecidos emocionalmente. Esta breve retomada histórica é fundamental para pensarmos como a pandemia ecoa atualmente sobre o estado mental das pessoas: sobreviventes da doença e sobreviventes da experiência social de pandemia. Ainda que as memórias aqui evocadas não tenham o poder de representar o pânico geral e o caos que se instalaram sobre cada humano naquele momento”, considera a professora. 

Fenômeno pós-traumático

“Daí admite-se que estamos diante de um fenômeno pós-traumático global, cujos efeitos longitudinais estão em análise no campo da ciência, mas que é empiricamente sentido e inegável. A relação entre saúde mental e Covid vem sendo fortemente estudada nestes cinco anos, inclusive em pesquisas longitudinais, ou seja, que acompanham a evolução dos sintomas neuropsiquiátricos ao longo do tempo após a pandemia, tanto na população geral quanto em profissionais da saúde. Estes estudos procuram rastrear se a pessoa que está em estudo já manifestava sintomas psiquiátricos ou pensamentos suicidas antes da pandemia, na tentativa de caracterizar o adoecimento psíquico que pode ser associado à infecção por Covid ou ao impacto da conjuntura da pandemia.

As evidências de pesquisas vêm concluindo que sintomas neuropsiquiátricos tendem a se cronificar após a infecção por Covid-19, afetando uma em cada quatro pessoas infectadas, com predominância de disfunção do sono, fadiga, ansiedade e estresse pós-traumático. O estado pré mórbido tem sido relacionado à intensidade do sofrimento psíquico pós Covid, o que quer dizer que o adoecimento psíquico é um evento complexo, que pode ter raízes anteriores ao diagnóstico pós Covid. Isso indica que a investigação sobre o estado mental antes da Covid-19 e as características de personalidade das pessoas são determinantes na análise sobre o impacto da pandemia.

A infecção por coronavírus pode gerar danos neuronais e neuroinflamação, com prejuízos importantes sobre a memória, atenção, concentração, raciocínio, por períodos duradouros ou até definitivamente, comprometendo a funcionalidade das pessoas que foram contaminadas, em maior ou menor grau, a depender de múltiplos fatores, que incluem os tratamentos que foram instituídos e sua qualidade. Mas, para além deste comprometimento da função mental, a infecção altera o equilíbrio neuroquímico dos contaminados, e tem efeitos sobre a regulação das emoções. Estamos falando de uma variedade de sintomas e diagnósticos psiquiátricos que traduzem o sofrimento psicológico decorrente da experiência de ter sido infectado, de ter vivido perdas significativas (humanas, materiais, sociais), da proximidade com a morte, do medo de contaminar outras pessoas, do sentimento de impotência diante do cenário, da perda de emprego, da angústia de não ter provimentos para subsistência própria e de sua família, enfim”, afirma Marcela.

Uso da tecnologia

De acordo com a professora, “uma alternativa para manter algum nível (indispensável) de socialização e assegurar alguma renda, à época, foi o recurso da tecnologia digital. E nela a humanidade se embrenhou de tal forma, se agarrou com tamanha força, que, hoje, passados estes três anos de estabilidade epidemiológica, o consumo de tecnologias digitais e a exposição a telas se constituiu um novo problema de saúde pública. 

O que constituiu uma defesa humana para o sofrimento, no contexto da pandemia, inicialmente, é um evento potencialmente nocivo hoje para a saúde mental humana. Nos deparamos com uma geração de crianças que foram absolutamente privadas de contato humano, durante a pandemia, em uma fase inicial da vida em que a socialização é crucial para o desenvolvimento psicológico, que parece incidir, atualmente, apesar de outros fatores envolvidos (inclusive genéticos), em índices nunca vistos de transtornos globais do desenvolvimento, a exemplo do espectro autista”.

Saúde pré Covid

“Contudo, é indispensável considerar que a saúde mental da sociedade pré Covid já indicava alarmantes índices de transtornos de ansiedade, depressivos, alimentares, de consumo nocivo de álcool e outras drogas e de suicídios. Esta realidade pré pandêmica preocupava gestores de agências nacionais e internacionais e pesquisadores, e já desafiava a macroestrutura a responder às demandas de saúde mental que se avolumavam, em uma conjuntura de serviços de saúde e assistência social insuficientes e despreparados para manejar os casos psiquiátricos. E isso já sinalizava uma cultura de consumo de medicamentos para aliviar o sofrimento psíquico e aumentar o desempenho funcional das pessoas, muito estafadas.

Já vínhamos nos organizando em uma sociedade de desempenho, como vem sendo conceitualmente tratada pelas ciências sociais: uma sociedade de alto nível de exigências, que exaure a energia e as forças das pessoas. As proporções catastróficas da pandemia vieram acentuar essa realidade e agora, passado seu momento epidemiologicamente crítico, nos deparamos com as sequelas psicológicas, neurobiológicas e sociais da pandemia, que se somam aos efeitos mais recentes de outras catástrofes, de natureza climática, que assolam comunidades inteiras, mais uma vez impondo condições muito desafiantes para a sobrevivência física e psíquica da humanidade. 

Os resultados de estudos tem evidenciado a necessidade urgente de planejamento e ações estratégicas de acompanhamento e tratamento psiquiátrico e psicológico de sobreviventes de Covid, que tendem a apresentar sintomas psiquiátricos pós traumáticos, muito variados em sua apresentação e que constituem síndromes pós Covid, um desafio que se agrega à saúde coletiva”, pontua Marcela. 

Aprendizado social

“Eu não saberia dizer se houve, com a pandemia, um aprendizado social em especial, já que é possível constatar um modo de viver bastante preocupante, na atualidade, em termos de saúde mental, sobretudo relacionado com o consumo massivo de tecnologias digitais, com a permanência intensiva em mídias sociais, que empobrecem o contato humano e excitam exageradamente o sistema nervoso central, gerando desatenção, prejuízo na memória, irritabilidade, comprometimento da aprendizagem e da qualidade do sono. 

Constata-se uma realidade de hiperutilização dos serviços de saúde mental, que precariza sua eficácia, além da impotência da Atenção Primária em Saúde para responder às demandas infindáveis de saúde mental, uma sobrecarga que compromete, inclusive, a organização de estratégias de promoção de saúde mental na coletividade. 

A experiência da pandemia escancarou a precariedade de nosso sistema de saúde, de assistência social e de previdência para atender a população em casos de catástrofes, sobretudo em países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil. Cabe esclarecer que os sintomas pós traumáticos podem se manifestar após muitos anos desde a experiência traumática, e que ao longo do tempo deveremos ter mais clareza a respeito do impacto da doença e da conjuntura de pandemia sobre a qualidade de vida, sobre a economia e sobre a sociedade. 

Por outro lado, experiências traumáticas coletivas, como a pandemia, que causam comoção social, mobilizam as pessoas para a ajuda mútua, incitando movimentos que se organizam na sociedade com fins solidários. Os desafios para os sobreviventes desta tragédia global podem ser enfrentados com mais assertividade diante de apoios familiares, comunitários, institucionais, governamentais”, destaca Marcela. 

Atuação da UFFS

“A UFFS trabalhou extenuantemente em teleatendimentos e telemonitorização dos casos de Covid-19 durante o auge da pandemia, se envolveu diretamente em todos os setores de atenção em saúde para agregar capital humano para enfrentamento da pandemia e de suas consequências e tem produzido estudos sequenciais sobre o contexto da pandemia e pós pandemia, sobre os efeitos neurobiológicos, psicológicos e sociais da Covid-19, contribuindo ativamente com a produção de conhecimento sobre o tema e com a reorganização da sociedade”, finaliza a professora Marcela.

Marcela Martins Furlan de Léo: Doutora em Ciências - Enfermagem Psiquiátrica (USP), professora associada do curso de Enfermagem da UFFS e professora do Programa de Pós Graduação em Enfermagem da UFFS. Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Gestão, Inovação e Tecnologias em Saúde (LABITECS)/UFFS e do Laboratório de Pesquisa, Tecnologia e Inovação em Enfermagem, Quotidiano, Imaginário, Saúde e Família de Santa Catarina – NUPEQUIS-FAM-SC/UFSC.

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