Na pesquisa, intitulada "Um olhar discursivo desconstrutivo sobre os efeitos de ser professor de língua portuguesa no acontecimento da pandemia de Covid-19", Stela entrevistou dez professores egressos do curso de Letras - Português e Espanhol da UFFS - Campus Chapecó que atuaram no contexto de pandemia. Segundo ela, houve um deslocamento da pergunta que a acompanha “o que é ser professor de Português para quem já sabe Português?” pelo acontecimento da pandemia. “No momento da pandemia, a gente desloca um pouco o nosso modo de compreensão sobre o que é ser professor. Eu me desloquei para o que foi ser professor de Língua Portuguesa no acontecimento da Covid, para com isso poder olhar um pouco para os modos de subjetivação desses sujeitos, como os próprios professores se entenderam como professores nesse acontecimento, e que efeitos isso provocou nos seus modos de ser professor”.
Conforme ela, em um momento da tese, a partir do dizer dos professores entrevistados, há auto-provocações com perguntas: “como é que a gente pode pensar a formação inicial na graduação em Letras aqui no nosso campus, pensar a formação inicial, considerando elementos que vêm desses dizeres dos nossos egressos?” Ela cita que são aspectos na formulação do currículo, “em objetivos a serem deslocados, reconsiderados, que ajudem também a pensar o que a pandemia nos colocou em evidência sobre a formação de professores, principalmente no que está relacionado aos desafios, às dificuldades, aos enfrentamentos de ser professor num acontecimento para o qual ninguém estava preparado. Que ferramentas a gente pode pensar na formação de professores que justamente nos tranquilizem no que for possível para lidar com o inesperado, com o súbito, com o de repente, por uma prática de ensino que a gente pulou de paraquedas, do ensino presencial para o ensino remoto, tendo que, às vezes, ter uma atitude mais autoral e deslocando daquela prática que, em alguns casos, ainda é reprodutiva e com a qual a universidade e a formação inicial também trabalha bastante”.
A partir de elementos de sua trajetória de pesquisadora, de sua curiosidade com o acontecimento da pandemia e de uma década de graduação do curso (2010 a 2020), ela olhou para a formação inicial dos egressos que estão atuando como professores.
Alguns aspectos chamaram a atenção da pesquisadora com a investigação. O primeiro é a problematização da formação inicial. De certo modo, conforme ela, há os indicativos da avaliação institucional, da avaliação do curso, mas o “diálogo com o egresso, acho que ainda é uma ponte que se precisa ainda continuar na construção. Ele é importante para que a gente também entenda onde estão as lacunas da formação. Elas sempre vão existir, mas de que modo vamos atuar”.
Uma das questões que Stela considera que ficou mais latente com a pandemia é o ensino reprodutivo. “Por mais que a gente tenha quase 40 anos de políticas públicas institucionais, parâmetros curriculares, diretrizes, BNCC, no contexto da pandemia, no acontecimento da pandemia, o professor foi assolado, ele teve que mudar para um modelo de ensino, para um formato de ensino, e ele, o que foi possível naquele momento, foi muito mais reproduzido que produzido. E esse não é um desafio só da pandemia, mas é um desafio da formação de professores. Como pensar um perfil de professor autoral? Defendo isso porque eu particularmente tenho um olhar muito crítico com o papel do livro didático na sala de aula: ele ocupa muito esse lugar de autoria, de criatividade, que o professor pode ter. Esse é um lugar que é de potência para mais trabalho de investigação, mas também para desafios na própria formação inicial”.
A professora Ângela também aponta que é fundamental reforçar que as pesquisas são trabalhos feitos a muitas mãos. “Construímos isso dentro do PPGEL. Essa pesquisa, assim como as outras, está vinculada ao Fronteiras: Laboratório de Estudos do Discurso, que começamos a constituir em 2011, com a proposta do mestrado. Conseguimos efetivá-lo fisicamente pela sessão de um espaço pelo campus, e equipá-lo com recursos do edital do FINEP. No laboratório, temos grupos de pesquisa e grupos de estudo, e eu quero destacar um grupo de estudos no qual a Mary Stela é uma peça-chave, que é o Gelindi, Grupo de Estudos Linguagem, Discurso e Identidade. No grupo, discutimos pesquisas em andamento, discutimos também textos teórico-analíticos que interessam ao grupo como um todo e isso vai nos dando mais estofo conceitual e analítico para o desenvolvimento das pesquisas”.
Ela explica, ainda, que o projeto se insere num projeto guarda-chuva, de longa duração, que é o Ser-Estar Entre Línguas-Culturas: língua, identidade e formação de professores. Ele foi oficialmente instituído em 2018, mas a temática já vinha sendo desenvolvida pela professora desde 2010 na UFFS, e tem previsão de seguir até 2030. Então serão em torno de 20 anos de pesquisa nessa temática.
O projeto guarda-chuva, segundo a professora, congrega os projetos de pesquisa desde iniciação científica, TCC, mestrado, doutorado e pós-doutorado. Assim, estudantes da graduação vão aprendendo com pesquisadores mais experientes, “como a Mary Stela, que é uma peça fundamental dentro do grupo, por sua capacidade de reflexão teórico-analítica, pela sua experiência, por toda a sua trajetória. A pesquisa que ela desenvolve vem atendendo os objetivos importantes desse projeto, que é olhar para a formação de professores neste nosso locus, a área de abrangência da UFFS Chapecó, na qual buscamos trabalhar questões de política linguística, olhar para como circula a língua, como circulam as línguas indígenas, de imigrantes, língua portuguesa, língua estrangeira, e que imaginários são esses, para que a gente possa pensar consequências para a formação de professores”.
Em dezembro, Stela fecha 40 meses de doutorado. Sua defesa, portanto, será antes do tempo previsto. “Também tive oportunidade e o privilégio, pelas políticas da própria universidade, de poder cursar boa parte do meu doutorado com afastamento integral, e, com isso, me dedicar exclusivamente a esse trabalho”, finaliza.