A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) teve aprovado um projeto de R$ 2,4 milhões no edital “Da Terra à Mesa Brasil 2025”, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para apoiar a implantação de Sistemas Agroflorestais (SAFs) Biodiversos em dez municípios do norte do Tocantins. O trabalho será desenvolvido em parceria com a Associação dos Agricultores Familiares do P.A. Amigos da Terra (AGRIFAT) e beneficiará diretamente cerca de 200 famílias, com prioridade para mulheres e jovens em situação de liderança familiar.
A iniciativa é resultado da expansão de pesquisas conduzidas pelo Observatório Socioambiental da Soja (Soyacene) e pelo Fronteiras: Laboratório de História Ambiental da UFFS. Conforme um dos professores à frente do projeto, Claiton Marcio da Silva, o processo começou há vários anos, quando pesquisadores de história ambiental obtiveram apoio da FAPESC e passaram a estudar a relação entre monocultura, conflitos territoriais e transformações no uso da terra. A partir desse acúmulo, formou-se um grupo multidisciplinar envolvendo agrônomos, geógrafos, historiadores, biólogos, profissionais da saúde e cientistas sociais. Eles buscaram, conforme Claiton, compreender os impactos da sojicultura e pensar alternativas de produção menos agressivas, como agroflorestas, hortas medicinais e experimentos com soja orgânica no próprio campus.
O conjunto de experiências impulsionou a aproximação com organizações rurais do Tocantins, estado no qual o professor Claiton atuou por mais de sete anos. Em 2024, uma dessas associações solicitou apoio para elaborar projetos para editais federais, diante da dificuldade de pequenos agricultores em acessar recursos devido à burocracia. A abertura do edital do MDA fez convergir os saberes, as demandas comunitárias e o conhecimento acadêmico, chegando à aprovação da proposta. “Atuar na Amazônia Legal reforça o compromisso da universidade com ações de extensão em territórios vulnerabilizados, como as próprias agências de fomento nos cobram”, frisa ele.
Conforme o outro professor da UFFS envolvido, Geraldo Ceni Coelho, o objetivo central é implantar SAFs em áreas degradadas e reduzir a pressão da monocultura de soja sobre territórios camponeses, ao mesmo tempo em que se promove segurança alimentar, geração de renda e restauração ecológica em áreas de transição entre Cerrado e Amazônia. O projeto enviado ao MDA explica que a região do Projeto de Assentamento Amigos da Terra, onde o projeto se baseia, possui histórico de conflitos armados desde os anos 1960, desmatamento intensificado nas últimas décadas e índices críticos de insegurança alimentar.
O projeto prevê a implantação de agroflorestas cujo desenho será construído em diálogo entre técnicos, pesquisadores e agricultores. Para isso, serão consideradas espécies nativas e variedades tradicionais como pequi, baru, jatobá, cupuaçu, muruci, cajá, bacaba e babaçu, além de frutas amplamente utilizadas pelas famílias, como acerola, manga, goiaba, abacaxi e caju. A escolha, de acordo com Geraldo, respeitará a cultura alimentar local e aproveitará a experiência acumulada pelas populações tradicionais no uso sustentável dos recursos da região.
As ações previstas no projeto incluem capacitações, produção de biofertilizantes, manejo de água, compostagem, técnicas de poda e recuperação de solo, além de cursos de formação para agentes de transição agroecológica, intercâmbios entre comunidades e apoio à estruturação de quintais produtivos. A metodologia do projeto traz o modelo “camponês a camponês”, baseado na troca direta de saberes e na valorização do conhecimento tradicional.
Um dos componentes centrais do projeto é o fortalecimento da infraestrutura produtiva das comunidades. Cerca de 70% dos recursos serão destinados à aquisição de máquinas agrícolas e equipamentos adaptados à agricultura familiar, incluindo pequenos tratores, colheitadeiras, trituradores e picadores de galhos, além da ampliação de viveiros de mudas e da construção de unidades comunitárias de bioinsumos. Há a previsão, também, de implementação do chamado “Sistema Embrapa”, que integra hortaliças com criação de aves ou piscicultura, visando garantir a segurança alimentar e a otimização de recursos em pequenas propriedades.
O professor Claiton explica que as atividades de campo envolverão pelo menos dez visitas técnicas por família ao longo dos 24 meses. As visitas serão realizadas por técnicos contratados na própria região, para evitar o chamado “colonialismo técnico”. “A ideia não é chegar como se fôssemos ensinar tudo, mas construir com eles, considerando o diálogo entre o saber universitário e o saber tradicional”, reforça ele. A UFFS atuará nas formações, na assessoria científica, no desenho das metodologias e na avaliação dos resultados.
Os docentes destacam que o projeto dialoga diretamente com as exigências de extensão universitária voltadas a territórios vulnerabilizados, ampliando a presença da UFFS em redes de pesquisa e ação ambiental na Amazônia Legal. O professor Geraldo, que pesquisa agroflorestas há mais de 25 anos, reforça que a iniciativa permitirá aprofundar estudos sobre serviços ecossistêmicos, especialmente captura de carbono e restauração de solos, e abrirá oportunidades para que estudantes de graduação e pós-graduação participem de atividades de campo e desenvolvam pesquisas aplicadas.
Ao final dos 24 meses, a equipe espera que as agroflorestas implantadas sirvam como modelos replicáveis para a região, contribuindo com a redução do desmatamento, o fortalecimento da autonomia produtiva das comunidades e a ampliação do acesso a mercados que valorizam produtos da sociobiodiversidade. Outro resultado esperado é o fortalecimento organizativo das associações locais, ampliando sua capacidade de captar recursos e desenvolver novos projetos.
Para os coordenadores, o sucesso do projeto será medido tanto pela produtividade das agroflorestas quanto pela capacidade das famílias de continuarem, de forma autônoma, as práticas aprendidas. “As agroflorestas podem tornar essas comunidades mais empoderadas, com acesso a mercados mais justos e menos dependentes de atravessadores.”, finaliza o professor Geraldo.